São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 1994
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Amarga herança

Já era previsível, mas ainda assim incomoda a inflação medida pela Fipe, que atingiu 6,38% na terceira quadrissemana de julho. Trata-se, em boa parte, do que os economistas denominam "resíduo inflacionário". Estatisticamente compreensível, mas politicamente delicado.
O índice da Fipe é calculado a partir de variações médias. Ou seja, para cada cálculo quadrissemanal comparam-se os preços médios vigentes numa sequência de quatro semanas com os preços médios das quatro semanas anteriores. A inflação da terceira quadrissemana de julho assim é na verdade uma média que leva em consideração preços do final de junho.
Para entender a armadilha estatística basta lembrar do que aconteceu no final de junho. A maioria dos preços estava já convertida à URV e, portanto, estava estabilizada. Mas nos últimos dias de junho houve uma corrida e mesmo depois, no início de julho, muitos aproveitaram a conversão ao real para elevar ainda mais os preços ou arrendodá-los para cima.
O resultado agora é que, comparando-se os preços de julho com os praticados em junho antes dos reajustes e arredondamentos, a inflação é ainda significativa.
A inflação de julho é portanto uma inflação contaminada. Pesaram bastante alguns reajustes contra os quais o governo bateu-se inutilmente, como transportes, em que tarifas metropolitanas foram reajustadas em 1º de julho. Ou ainda serviços pessoais e alimentação fora do domicílio, produtos e serviços que dificilmente submetem-se à âncora do câmbio (pois nunca enfrentam concorrência de importações).
Estatisticamente, a reversão do índice rumo a valores próximos de zero parece inexorável e deve ocorrer rapidamente a partir de agora. Politicamente, entretanto, seria ingenuidade subestimar o efeito que essa inflação residual terá sobre os agentes econômicos e os sindicatos. O perigo é crescerem as demandas por reindexação, assim como o próprio sentimento de que o Plano Real enfrenta dificuldades maiores que as esperadas.

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