São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 1994
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Social-democratas são os outros

OTAVIO FRIAS FILHO

Há uma polêmica nos meios intelectuais na qual os partidários de FHC sustentam que a sua candidatura ainda é, apesar de tudo, social-democrata. O próprio candidato interveio, num artigo recente, encerrando a questão com sua autoridade indiscutível de sociólogo.
Vamos deixar de lado o fato de que esses nomes e rótulos significam muito pouco na prática. Vamos esquecer que o apelido social-democrata, de tão confortável e vaporoso, tornou-se o preferido de nove entre dez políticos.
Vamos portanto fingir que acreditamos nos nomes usados em política, ou pelo menos que eles expressam alguma coisa oculta –como ensinou na universidade a maioria dos atuais polemistas, de lado a lado.
O que é o Partido da Social-Democracia Brasileira? É um grupo de políticos, muitos deles de origem universitária, que tiveram de formar um partido porque estavam sendo esmagados pelo PT, à esquerda, e pela fisiologia, à direita.
Já se dizia que eles desapareceriam quando uma série de escândalos atingiu todo mundo menos eles próprios e o PT. Foram então catapultados por um presidente boa-praça e fraco, que lembra aquele chefe árabe, verdadeiro ídolo em seu emirado porque não tendo aptidão para o governo se absteve de governar.
Com a faca e o queijo na mão, os novos donos do poder trataram de forjar, a partir do controle do governo, as bases de um respaldo popular que, injustamente talvez, nunca tiveram. Se no caso do Cruzado houve surpresa e culpa, no caso do Real houve método e intenção.
O movimento da campanha de FHC parece claro. Acertou o relógio das expectativas ajustando o calendário econômico ao eleitoral. Fechou acordo com os mais tradicionais núcleos de poder, como a oligopólio da TV e o coronelato do Nordeste. Agora só falta o mais (e menos) importante: coletar os votos.
Um grupo reunido numa mesa pode fundar um clube, uma seita, até um Partido Comunista, mas não um movimento social-democrata. Sempre que houve social-democracia ela foi resultado involuntário da industrialização, rescaldo da ação de sindicatos agressivos que se deixaram domesticar num demorado tempo.
Mas FHC é pessoalmente social-democrata e tem a "hegemonia", como gostam de dizer, na coligação. Não tenho dúvida disso como também não tenho dúvida de que uma pessoa, mesmo investida no cargo de presidente, é apenas uma gota no oceano de pressões e compromissos que a mantém na cadeira. E FHC não tem, felizmente aliás, vocação para mártir ou herói.
É mais do que plausível que digam que o PT é corporativista, regressivo e primitivo. Faz sentido que os partidários de FHC se apresentem como os únicos capazes de reintegrar o Brasil no movimento internacional.
Mas que além disso reclamem acesso restrito ao rótulo de social-democrata parece demais, até porque social-democratas já existem –e são (ou serão) os outros...

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