São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Betty Milan busca Eros na delicadeza

DA REDAÇÃO

Três anos depois de "O Papagaio e o Doutor", a escritora e psicanalista Betty Milan lança o seu segundo livro de ficção, "A Paixão de Lia", editado pela Globo. A noite de autógrafos acontece em São Paulo na próxima sexta, às 19h, na Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 011 285-4033).
Livro erótico sobre o desejo feminino, "A Paixão de Lia" é também uma investigação sobre o sonho e a fantasia de uma mulher, Lia, que faz cinco votos e os vive como verdadeira "via crucis": ter um amante, ir a um bordel, ser uma cortesã, viver um amor lésbico e, enfim, ter um filho.

Folha - Em 1991, você lançou "O Papagaio e o Doutor", centrado na questão da imigração. Agora, está lançando um livro erótico. O que te levou a isso?
Milan - "O Papagaio" foi um livro difícil de fazer, eu nele lidava com muitas variáveis, a história da imigração, a relação que nós temos com a língua, a experiência analítica... Depois de ter escrito o "Papagaio", eu passei a colaborar na tradução do livro para o francês e, para compensar o esforço, comecei a escrever o texto mais brasileiro que eu podia, o mais próximo da sensibilidade que eu tenho.
"A Paixão de Lia" me repousava, eu com ela me permitia sonhar. Às vezes, era uma frase por dia, eu fazia e refazia, sem a preocupação de chegar ao fim, um trabalho de bordadeira. Ao mesmo tempo, lia a literatura erótica francesa. Quanto mais eu lia, mais me convencia de que era preciso inventar outra coisa, um erotismo que não estivesse ligado à transgressão e à violência, um erotismo delicado.
Folha - O que significa uma literatura erótica nesse tempo em que a sexualidade, sob o pretexto de segurança, deve ser vivida dentro de limites prefixados?
Milan - A literatura erótica não existe para que a sexualidade seja vivida de uma ou de outra maneira e eu nem mesmo diria que ela existe "para" que a sexualidade seja imaginada. O "para" não diz respeito à literatura, cuja única meta é a literatura. Verdade que o gênero erótico desperta a fantasia sexual e que certas práticas são hoje desaconselhadas, mas a menos que se confunda o imaginário com o real, tanto faz estarmos nós sujeitos ou não a limites prefixados por causa da Aids. Imaginar não é praticar e talvez seja necessário imaginar mais quando estamos fadados a praticar menos.
Folha - Na sua opinião, o que cria a diferença entre a literatura erótica e a pornográfica?
Milan - A dita literatura pornográfica fere deliberadamente o pudor para conquistar o mercado e não é literatura precisamente por causa de tal deliberação, por não ser determinada por uma razão estética. Na pornografia, o leitor está sujeito a imperativos, ele é, por assim dizer, objeto do desejo de um outro. No erotismo, o leitor é entregue pelo texto ao seu desejo, ele é sujeito do próprio desejo.
Folha - O que significa uma literatura erótica num mundo onde, em princípio, inexiste censura e tudo pode ser dito?
Milan - Não é verdade que não exista censura e tudo possa ser feito ou dito. A revolução sexual dos anos 60 liberou o corpo para o orgasmo e a ejaculação, mas não o liberou para a carícia e recalcou os dizeres do amor e do erotismo.
A dita revolução cortou o corpo da alma e com isso fez a pornografia desabrochar. Só o erotismo pode juntar o corpo e a alma. O erotismo é que nos humaniza.
Os brasileiros têm uma grande tradição erótica e existe na literatura uma grande expressão disto que é Macunaíma. Ele faz tão pouco do desempenho sexual que pára, esquecido, no meio da transa. Pertencemos à cultura erótica do riso, ou, dizendo de forma bem brasileira, à cultura erótica do brincar.

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