São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Em toda novela, eles fazem tudo sempre igual

MARCELO DE SOUZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine Nair Bello entrando em cena, elegantemente vestida, empunhando uma piteira dourada. Nesta mesma novela, imagine Sílvia Pfeifer pobrezinha, vestida com farrapos, sendo humilhada por Nair. Beatriz Segall, no papel de uma freira boazinha e justiceira, viria apaziguar a situação.
Se você não consegue imaginar estas cenas, não é falta de criatividade sua. Diretores e produtores de novelas parecem gostar da idéia de dar a determinados atores sempre o mesmo papel.
Assim, Nair Bello nunca deixou de interpretar a escrachada paulistana, com sotaque da Mooca; Sílvia Pfeifer nunca se livrou da imagem de mulher independente, sempre fina e polida; e Beatriz Segall ficou marcada por seus papéis de jararaca, pronta para avançar no pescoço do primeiro pobretão que a contrarie.
É claro que existem exceções, que acabam confirmando a regra. Alguns bons atores, como Stênio Garcia –especialista em caiçaras– e a própria Beatriz, já interpretaram outros tipos com a mesma competência.
Mas o que fica gravado no inconsciente coletivo do telespectador de novelas é a velha e boa imagem estereotipada. E, ao que parece, essa imagem é devidamente cultuada pelos diretores de TV.
Para a produtora-executiva da Globo, Maria Alice Miranda, escalar o elenco seguindo os estereótipos de certos atores é comum (leia quadro nesta página).
"A gente apenas detecta no ator facilidades em interpretar determinados papéis para que o resultado seja o melhor possível", diz.
Uma história, no entanto, mostra que nem sempre o estigma do ator tem a ver com suas qualidades inatas.
É o caso de Kadu Moliterno, que teve que assumir seu lado garotão surfista sem nunca ter pego onda na vida.
Quando foi convidado pela Globo, em 1978, a interpretar o surfista Billy na novela "O Pulo do Gato", o ator teve que fazer curso intensivo com a prancha. Quase morreu afogado em uma das primeiras tentativas, mas no fim acabou aprendendo.
Tanto que ganhou "de presente" da Globo uma série infindável de papéis na mesma linha. Seu melhor momento foi na pele de Juba, no seriado "Armação Ilimitada".
A idade foi chegando e, com ela, a insatisfação do ator foi crescendo. Aos 40 anos, Moliterno queria mostrar que podia ir além do estereótipo garoto-saúde.
"Até deixei a barba crescer para viver um papel mais sério em 'Anos Rebeldes"', lembra-se. O resultado foi mais ou menos satisfatório.
O "papel mais sério" –o de Avelar–, ele conseguiu. O único problema é que tudo indica que vai ter que lutar contra a nova marca com que a Globo quer taxá-lo: o de empresário bem-sucedido nos negócios e infeliz no amor. Viveu um no seriado "Sex Appeal", e agora outro em "Pátria Minha".
Mas, como diz o ator Lima Duarte –consagrado como coronel mandão–, viver sempre o mesmo papel não é problema algum. "Charles Chaplin viveu o mesmo personagem a vida inteira." Pena que nem todos sejam tão geniais como Carlitos.

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