São Paulo, segunda-feira, 1 de agosto de 1994
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Programa que mudou o Brasil - 9

LUÍS NASSIF

Em fins dos anos 80, observou-se externamente uma mudança sensível no pensamento do BNDES, que o transformaria, nos anos seguintes, no principal centro de pensamento inteligente do país –ocupando o vácuo deixado pela politização espúria da academia.
Mas o processo, que permitiu ao banco tornar-se o grande instrumento de mudança do padrão industrial brasileiro, havia se iniciado bem antes, por volta de 1984.
No dia 25 de julho daquele ano, a revista "IstoÉ" divulgou documento sigiloso do banco –porque crítico da política de ajustamento conduzida por Delfim Netto. O título do artigo era "Sem mudanças, o Brasil acaba", em que reproduzia na íntegra o primeiro "Cenário para a Economia Brasileira", produzido pela Superintendência de Planejamento, dirigida pelo economista Júlio Mourão.
Formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com mestrado de engenharia de produção pela Coppe-UFRJ (mais tarde, com pós-graduação pela Unicamp), Mourão entrou no banco em abril de 1966 e seu primeiro local de trabalho foi na mesma sala de Ignácio Rangel, que se tornaria a partir dali seu guru.
Há muito Rangel era considerado o mais criativo economista brasileiro. Em fins de 1979, surpreendera os setores ortodoxos de esquerda (que o veneravam) prevendo o esgotamento financeiro do Estado e a necessidade de substituí-lo por capital privado nos investimentos em infra-estrutura.
Mudança de ótica
A política do BNDES, na ocasião, incorria em um equívoco central. Ainda se achava que a saída da recessão dependia exclusivamente de investimentos públicos. Já que o Estado estava quebrado, a recessão seria de longo prazo. Logo, seria preciso que o BNDES amparasse um núcleo de empresas nacionais, que ele próprio ajudara a construir no período anterior, até que passasse o período difícil.
A partir daí, os investimentos do banco concentravam-se exclusivamente no financiamento de obras de infra-estrutura de retorno problemático (quase todas tornaram-se inadimplentes), e em operações-hospital, com financiamento para saneamento financeiro de empresas privadas.
Com o primeiro Cenário, mudou a ótica, pois lá se demonstrava ser possível a retomada do crescimento sem pressionar o balanço de pagamentos. Previa-se, além disso, que a retomada começaria pelo consumo, não mais pelos investimentos públicos.
Haveria melhoria dos salários, graças à recuperação das exportações, aumentaria o consumo e, em função disso, os empresários privados passariam a investir novamente, inaugurando um novo ciclo de crescimento.
Com base nessas conclusões, propunha-se apoio maior para a modernização de empresas de ponta do setor privado, acabando-se com a história do banco definir os setores a serem beneficiados.
A ditadura dos acadêmicos
O Cenário realmente confirmou-se. 1985 e 1986 registraram crescimentos substanciais na massa salarial, processo interrompido pelo período negro dos pacotes monetários.
Depois disso, o papel do BNDES oscilaria ao sabor dos sucessivos presidentes que teve. Mas seguindo uma lógica inexorável: sempre que assumiram o banco economistas ligados às igrejinhas acadêmicas, ocorreu uma razia na inteligência interna.
Nenhum dos presidentes teve papel mais deletério que Eduardo Modiano. Autoritário, agia de uma perspectiva estritamente política, sem dispor de nenhuma visão econômica estruturante. Sua atuação foi avassaladora, emburrecendo a privatização, desmontando a estrutura pensante do banco.
Sem disposição para mudar, com preocupações exclusivamente de ordem monetária e política, o atual presidente Pérsio Arida, também da PUC, não alterou em nada este cenário.

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