São Paulo, segunda-feira, 1 de agosto de 1994
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Política econômica de Clinton é hesitante

JAMES BAKER

Depois de 18 meses de governo e duas conferências do G-7 (grupo dos sete países mais ricos), o presidente Bill Clinton não conseguiu ainda implementar uma estratégia de comércio, investimento e taxas de câmbio que promova os interesses dos EUA na economia internacional. Ao contrário, as políticas econômicas internacionais do governo Clinton parecem confusas, ou mesmo esquizofrênicas. Os sinais incertos que enviam parecem refletir uma mente indecisa quanto ao valor do livre comércio e investimento.
É verdade que dois dos mais notáveis sucessos do governo –a aprovação do Acordo Norte-Americano de Livre Comércio e a conclusão da Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt)– revelam firmeza quanto aos princípios do livre comércio. São iniciativas, porém, iniciadas e praticamente concluídas por governos republicanos.
Em contraste, as políticas próprias do governo Clinton –especialmente as que conduziram a situações quase de crise com o Japão, devido ao comércio, e com a China, quanto ao seu status de nação mais favorecida– sugerem uma crença menos que firme no liberalismo econômico e uma tendência perigosa de olhar para tudo sob o prisma da política interna.
O destino da primeira iniciativa de livre comércio colocada inteiramente pelo governo Clinton –a proposta "Open Markets 2000" (Mercado Livre 2000), feita na recente conferência de Nápoles– não reforçou sua credibilidade. A iniciativa deveria ter comprometido os líderes do G-7 com a expansão dos resultados obtidos na Rodada Uruguai, ampliando ainda mais comércio e investimento. Mas o modo pelo qual o governo Clinton apresentou a iniciativa –no último minuto e com deficiências de coordenação– minou sua seriedade e garantiu a rejeição pelos outros membros do G-7.
Os mercados financeiros internacionais também tiveram problemas para levar a sério a retórica do governo. A crise que o dólar enfrenta, por exemplo, foi deflagrada, ao menos em parte, por sinais do governo americano de que preparava uma queda da cotação do dólar como forma de "punir" Tóquio por sua obstinação nas negociações comerciais. Tentando controlar os danos, Clinton declarou em Nápoles que "ninguém estava tentando fazer com que o mercado caísse". Infelizmente, os mercados não entenderam assim.
Será preciso mais do que declarações para restaurar a credilibidade econômica internacional do governo Clinton. O necessário é uma estratégia prática e multifacetada que vise reafirmar nossa liderança econômica internacional:
Aprovar o Gatt - Não se pode presumir irresponsavelmente que o acordo do Gatt será aprovado antes do prazo estabelecido em Nápoles, 1º de janeiro de 1995. Há poderosos grupos de pressão trabalhistas e ambientalistas combatendo-o. A identificação dos cortes orçamentários a serem adotados para compensar a perda de US$ 12 bilhões em receitas tarifárias nos próximos cinco anos fará da ratificação do Gatt uma questão legislativa potencialmente contenciosa. O senador Daniel Patrick Moynihan (Democrata de Nova York), presidente do Comitê de Finanças do Senado, criticou publicamente o governo por retardar o processo.
Dada a ambiciosa agenda legislativa de Clinton, que inclui reformas dos sistemas de saúde e assistência social, será preciso disciplina –não exatamente seu ponto forte– para garantir a tempo a aprovação do tratado. Assim que o Gatt estiver em vigor, porém, o governo Clinton pode e deve reapresentar sua proposta "Open Markets 2000", talvez na reunião dos ministros das Finanças do G-7, no final do ano em Washington.
Parar de atacar o Japão em público - A linha-dura adotada pelo governo Clinton quanto ao comércio com o Japão fez muito para causar o atual colapso do dólar. Descartar a crise como "um problema com o iene" não trará melhoras. Dada a magnitude da relação econômica Japão-Estados Unidos, não existe nada que possa ser chamado "o problema do dólar" –ou "o problema do iene". Mas existe um problema "do dólar e do iene", que só pode ser resolvido por negociações.
Deve-se continuar a pressionar o Japão para que abra seus mercados e estimule o consumo. As posições devem ser duras, mas serão efetivas apenas quando longe dos olhos do público. Em lugar de arrebatar manchetes criticando o Japão, o governo deveria seguir uma estratégia de longo prazo voltada à negociação e ao apoio aos grupos japoneses que lutam por reformas.
Expandir comércio e investimento regionalmente - Como país de alcance econômico global, os EUA têm forte interesse na abertura de mercados. Arranjos de comércio e investimento são uma característica cada vez mais evidente na paisagem internacional. Deve-se assegurar que os acordos incluam, e não excluam, produtos, serviços e capital americanos.
O governo deveria reforçar o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e a Iniciativa para as Américas de Bush, e caminhar para uma zona de livre comércio hemisférica. Argentina e Chile são candidatos adequados para acordos de livre comércio.
Mas as iniciativas regionais não devem se limitar ao nosso hemisfério. Acordos com Polônia, Hungria e República Tcheca sustentariam a reforma em três das "histórias de sucesso" do antigo bloco soviético e abririam um mercado de 60 milhões de consumidores aos bens e serviços americanos.
Por fim, o presidente poderia usar o fórum da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, uma iniciativa do governo Bush, para intensificar relações com os dinâmicos países da Bacia do Pacífico. O desenvolvimento de um código de investimento para os membros da organização deve ser prioritário.
Ficar de olho na União Européia - A união das economias européias, a despeito dos deslocamentos causados pela reunificação da Alemanha, não está morta. É provável que uma forma de união monetária englobando a Alemanha e outros países da União Européia surja nos próximos anos. É importante que os EUA negociem para garantir que a união monetária reforce, e não eroda, o potencial para coordenação econômica entre Estados Unidos e Europa.
Na metade dos anos 80, quando eu era secretário do Tesouro, o sistema europeu de taxas de câmbio estreitamente alinhadas complicava a coordenação de políticas entre os EUA e as economias européias, especialmente a Alemanha. União monetária plena, particularmente se for necessária a unanimidade dos governos quanto a ajustes nas taxas de câmbio ou juros, pode tornar a coordenação mais problemática.
Menos concentração no dólar, mais nos fundamentos - A intervenção dos bancos centrais nos mercados de câmbio pode ser útil para promover a estabilidade das taxas de câmbio –mas apenas com uma coordenação mais estreita dos fundamentos econômicos, como políticas fiscal e monetária, entre as economias importantes. Essa foi a lição do período 85-88, quando o G-7 atingiu níveis de cooperação jamais conseguidos. Mas a coordenação macroeconômica não acontece, simplesmente –é preciso liderança firme dos EUA para consegui-la.
Até agora, a peça central da política econômica internacional de Clinton é o Nafta. Ironicamente, ele venceu com apoio de 132 deputados republicanos. Só 102 dos 278 deputados democratas o apoiaram na causa da liberalização. Como o governo, o Partido Democrata parece viver em contradição quando o assunto é livre comércio.
O presidente pode se ver forçado a contar de novo com os republicanos, se quiser implementar uma agenda econômica internacional ambiciosa mas realizável. Para isso, precisará tomar posições firmes quanto ao livre comércio e investimento aberto. Mas tomar posições firmes não é fácil para o governo Clinton. Como no caso de suas políticas para o Haiti ou a Bósnia, a estratégia do governo para a economia internacional tem sido, com frequência, uma tentativa de contentar todas as partes.

Tradução de Paulo Migliacci

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