São Paulo, terça-feira, 2 de agosto de 1994
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O risco da overdose

Os dados reunidos no caderno especial sobre educação e saúde da série Brasil 95, publicado domingo, são mais que desanimadores ou preocupantes. Beiram a catástrofe. Campeã mundial de analfabetismo, com uma Previdência quebrada e um sistema de saúde inoperante, tudo se passa como se a sociedade brasileira estivesse anestesiada, inconsciente, incapaz de encarar e compreender a realidade.
O círculo vicioso já deu tantas voltas que a própria miséria parece hoje peça de uma engrenagem voltada à destruição do futuro.
A fome chega a atingir 32% das crianças em algumas localidades, mas a média nacional é igualmente vergonhosa: 15% das crianças brasileiras passam fome. A falência do sistema de saúde federal é agravada pela ineficiência com que se procede à descentralização. A corrupção e a fraude consomem recursos valiosos. E a própria burocracia está repleta de ralos. A proliferação dos planos de saúde privados é sem dúvida saudável, o que se lamenta é que essa expansão tenha de amparar-se na exclusão da maioria.
A mesma lógica perversa predomina na área educacional. Não se trata apenas de falta de recursos, mas principalmente de desvio, ineficiência e desperdício. Países com dispêndio de recursos próximo ao brasileiro têm obtido melhores resultados. Mas nada choca mais que a revelação crua de que a educação básica brasileira é a pior do mundo, segundo o Unicef. Isso numa época em que se tornou consensual a idéia de que os indicadores econômicos dependem cada vez mais dos indicadores educacionais.
A extensão e a profundidade da crise social exigiriam uma mudança profunda no país. A atitude das elites, entretanto, inspira no mínimo ceticismo. O paternalismo, o clientelismo e a irresponsabilidade sugerem que, em sua grande parte, os privilegiados parecem dopados. O risco é que, viciados na acomodação, acabem vítimas de overdose.

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