São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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Quem não for muambeiro atire a 1ª pedra

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Nos idos de 1989, eu refazia meu estoque de "coated" Bufferin, pasta de dente Crest etc. em uma drugstore nova-iorquina, quando fui abordada pelo farmacêutico: "A senhora pretende revender todas essas mercadorias em seu país?"
Como qualquer "globetrotter" tapuia do tempo anterior à abertura aos importados, eu trazia a resposta para essa fatal pergunta na ponta da língua: "Não, meu senhor, as mercadorias são para meu uso pessoal. Sabe o que acontece? Eu venho de um país onde existem apenas dois tipos de aspirina, sendo que ambos corroem as paredes do estômago."
Os tempos mudaram. Hoje, pasta Crest é vendida em qualquer esquina de Parelheiros. Mesmo assim, é injusto acusar a seleção de muambeira ou aceitar que ocorram blitze, como a que aconteceu no último domingo na rodovia Castelo Branco, quando 50 ônibus procedentes do Paraguai tiveram mais de US$ 200 mil em mercadorias apreendidas.
Não defendo o trambique. Claro, a seleção e os convidados do seu Teixeira têm de acertar suas contas com a Receita, como qualquer um com a caradura de tentar passar pela alfândega trazendo geladeiras, máquinas de lavar roupa e TVs Trinitron.
O que me chama atenção é que, em 36 anos de vida, nunca conheci um tapuia disposto a pagar tarifas alfandegárias por livre e espontânea vontade. Não conheço uma só pessoa que não se sinta tolhida quando é forçada a desembolsar dinheiro extra pelas tralhas adquiridas no exterior.
Na volta de uma viagem, quem de nós se dirige espontaneamente ao balcão da alfândega para pagar o que deve? Quem de nós não arrisca e tenta passar pela roleta-russa das luzinhas verde e vermelha?
E por que será que somos um país de muambeiros natos? Será que tentamos passar pela alfândega escondendo CDs, telefones sem fio, walkmen e o escambau porque somos todos um bando de trambiqueiros?
Ou será que os verdadeiros vilões não são os preços das bugigangas produzidas na Zona Franca de Manaus? Como explicar os preços exorbitantes desses aparelhos, quando eles são isentos de impostos?
Enquanto, por aqui, um CD player custar US$ 355, contra US$ 244 nos EUA, burlar a alfândega continuará sendo um ato corriqueiro e patriótico.

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