São Paulo, quinta-feira, 4 de agosto de 1994
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Movimento negro e eleições

FERNANDO CONCEIÇÃO

Em nenhum momento, ao longo da história do Brasil, coube ao negro optar politicamente por uma proposta de poder para a sociedade que ele tenha ajudado a construir. O negro brasileiro é ainda vítima de sua própria condição servil, que, advinda do sistema escravista, se perpetua até hoje.
O direito ao voto, um dos componentes da idéia de exercício pleno da cidadania, o negro no Brasil somente o obteve, de forma ampla, com a Constituição de 1988. É que, embora desde os anos 30 –e com o desmantelamento da aliança de São Paulo e Minas– o voto tenha se tornado uma norma, a maioria da população negra brasileira estava impedida, posto que analfabeta, de praticá-lo.
Esse contingente populacional sempre esteve identificado à cozinha do poder político-econômico no Brasil e segregado em áreas geográficas, como as favelas metropolitanas e os rincões miseráveis do Nordeste.
É justamente nessas áreas que o ideário conservador ganha espaço, aproveitando-se da pobreza para transformar promessa em votos, perpetuando um círculo vicioso cuja ruptura necessita ser feita.
Na atual campanha vão se cristalizando para o eleitorado duas propostas excludentes de poder. Claro que tais excludências seguem uma lógica, já apontada em recente artigo de Otávio Frias Filho, em sua coluna semanal nesta Folha (7/07/94). Essas propostas estão personificadas por Fernando Henrique Cardoso, de um lado, e por Lula, de outro.
Enquanto a candidatura palaciana de Fernando Henrique representa, ainda que ele tente negar, o neoliberalismo com suas implicações contra as conquistas sociais e em fortalecimento à "mão invisível" do mercado regulador de Adam Smith, a eleição de Lula, sem fazer milagres, pode ao menos regular a invisibilidade daquela mão, além de garantir um "welfare state" mais participativo.
Há de se evitar a reedição da já identificável "Aliança Democrática" de Tancredo-Ulisses-Roberto Marinho–Antônio Carlos Magalhães, com todos os seus líderes do atraso.
Como negro afro-brasileiro faço uma convocação, a título pessoal, para a militância do movimento negro espalhada pelo país. Sem paixão partidária (não estou filiado a qualquer partido), se pudesse recomendaria a todos os zé-ninguéns que agora são donos do seu voto a dizerem um "não!" a FHC e seus apoiadores nefandos.
A vitória de Lula é a única coisa digna que pode acontecer no Brasil em benefício dos marginalizados. Essa reviravolta conceitual do poder tem de ser construída com o empenho de todos aqueles que ainda não perderam a esperança.

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