São Paulo, quinta-feira, 4 de agosto de 1994
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Abertura do mercado

MARIO AMATO

A abertura da economia brasileira ao exterior tem se constituído no principal instrumento do processo de modernização do país e induzido inúmeras transformações na indústria nacional.
No entanto, esse processo começa a ocorrer de forma indiscriminada, ameaçando provocar consequências danosas.
O número de licenças de importação concedidas tem aumentado em proporção geométrica e sem o devido controle. E esse fato preocupa os empresários brasileiros, que não temem a concorrência, mas sabem que o ingresso indiscriminado de produtos estrangeiros ameaça as indústrias que geram empregos para os trabalhadores brasileiros e pagam impostos para que o governo possa garantir o atendimento da infra-estrutura e das necessidades sociais.
Ao ser concedida uma licença de importação, diversos fatores devem ser levados em consideração.
Por exemplo: se os preços dos produtos a serem adquiridos no exterior estão sub ou superfaturados; se tais produtos são realmente úteis aos consumidores e ao país; determinar a razão pela qual a indústria nacional não pode competir com tais ou quais produtos importados, a fim de que seja formulada uma política (que nada terá a ver com a já superada substituição de importações), que permita à indústria brasileira produzir internamente o que está sendo importado.
Nesse sentido, será preciso saber se a momentânea incapacidade da indústria nacional para suprir o mercado com tal ou qual produtor, decorre de uma deficiência que pode ser corrigida ou de uma pressão violenta dos insumos federais, estaduais, municipais e sociais, que oneram excessivamente o produto nacional.
Há que ser levado em conta, também, o saldo do balanço de pagamentos, para não cairmos na mesma situação de um passado recente, quando sequer eram honrados os pagamentos do que comprávamos, ou quando o importador depositava recursos no Banco do Brasil e este atrasava a remessa, por falta de recursos.
Esse fato se repetiu muitas vezes, a ponto de vários fornecedores só concordarem com a venda após abertura de crédito pelo importador brasileiro em banco estrangeiro. Era um vexame.
É preciso levar em conta a experiência que o Brasil viveu logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Vale a pena recordá-la, para que não se repita.
O Brasil, por circunstâncias diversas, acumulou durante aquele conflito uma considerável soma de divisas, porque exportávamos e não importávamos. Na verdade, éramos obrigados a produzir internamente quase tudo o que importávamos antes da guerra.
Terminado o choque entre as nações, as importações foram liberadas e gastamos em poucos meses as reservas que o país acumulara. O mercado estava ávido de produtos importados, mas as divisas foram gastas em produtos supérfluos. Importou-se quinquilharias, brinquedos de plásticos, discos de vitrola coloridos.
Lembro-me de um jornalista ter escrito, na época, que nós brasileiros continuávamos a ser índios e trocávamos riquezas por bugingangas.
Lembro-me ainda que a Fies (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria) advertiam, como estamos fazendo agora, e de que um importante economista, então no governo, nos respondeu que a euforia importadora logo acabaria, era só esperar o povo se acostumar, pois, como galinha com fome, é só jogar milho à vontade que a fome será saciada. Infelizmente, só terminou quando o milho acabou.
Na verdade, antes que os grãos terminassem totalmente, o presidente da República suspendeu as importações e o pouco saldo, que restou em caixa, foi direcionado então para a importação de equipamentos essenciais ao progresso do país.
O desastre foi grande. O Brasil perdeu uma excelente oportunidade de consolidar a sua política econômica e de voltá-la por inteiro para o desenvolvimento nacional. Será que não está na hora de rever essa política de importações, para que ela venha, de fato, a servir aos anseios de dias melhores de todo o povo brasileiro?

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