São Paulo, quinta-feira, 4 de agosto de 1994
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As igrejas acadêmicas - 2

LUÍS NASSIF

Ontem se dizia aqui que a maior responsabilidade pelo prolongamento da crise brasileira foi das igrejinhas acadêmicas que se politizaram ao longo das últimas décadas.
Um dos exemplos mais acintosos foi o que ocorreu com o chamado "plano K" –conjunto de idéias envolvendo a privatização e os fundos sociais, elaboradas por um empresário paulista.
Era uma proposta irretocável, que casava as preocupações com a legitimidade social da privatização, com um modelo moderno de mercado e com o acerto dos passivos públicos.
Ainda no governo Collor, as idéias foram encaminhadas por mim a um líder tucano, que as submeteu à análise de um economista do partido.
O plano foi rejeitado, com argumentos irrelevantes, inclusive o de que Pérsio Arida poderia produzir idéias como aquelas aos borbotões. Nem adiantou dizer que Arida também era um entusiasta daquelas concepções.
Tempos depois, o presidente da República Fernando Collor confundiu bolas e planos e classificou o "plano K" como "kilos de bobagem". O economista me telefonou: "Que loucura! Esse plano poderia ter salvo o governo Collor!".
O motivo do boicote era o receio, não de todo infundado, de que as idéias fossem utilizadas politicamente por seus autores, para fincarem pé no governo. Mas revela de maneira até acintosa o mercado persa em que se transformou o comércio de idéias no país.
Mudanças adiadas
Não havia ninguém, em sã consciência, que conseguisse produzir um só argumento consistente contra aquelas idéias. Em pouco tempo, sua implantação, associada a mudanças na legislação dos fundos de pensão e na Lei das Sociedades Anônimas, traria benefícios fulminantes para o desenvolvimento, permitindo a retomada dos investimentos em bases muito mais modernas e sociais.
Foi uma sucessão de murros em ponta de faca tentar convencer membros do governo e de partidos políticos da importância desse projeto.
Entre os condutores da privatização, nenhum deles conseguiu levantar uma ressalva relevante contra as idéias. Na hora de implementá-las, embatucava-se na questão da autoria.
Não adiantava argumentar que, depois que foram implementadas no Chile, essas idéias passavam a ser de domínio público e, raios!, o Brasil era mais importante do que mesquinharias pessoais.
Servindo a si
Não se julgue que, com esse comportamento, os economistas estivessem servindo a seus partidos políticos. Que partido não gostaria de dispor de uma dessas idéias fundamentais, que provocassem cortes na história? No fundo, o que o boicote visava era garantir reserva de mercado para suas (falta de) idéias.
Que os partidos que disputam a Presidência da República caiam na real –antes que caia o real– e deixem de se iludir com esses tiros monetários de curto alcance.
O que importa –inclusive para quem pensa eleitoralmente a longo prazo– são mudanças de cultura, reformas gerenciais, projetos que apresentem resultados concretos em direção à modernização da economia e das instituições, à busca da qualidade, ao disciplinamento do Estado.
Do lado do PSDB, o programa de municipalização da saúde é muito mais importante para o país do que essas trocas de moeda de conteúdo meramente eleitoral. Do lado do PT, experiências como o orçamento participativo da prefeitura de Porto Alegre, são milhões de vezes mais relevante do que essas milongas intermináveis sobre "consensos de Washington".
O último corte que falta ao país, para ingressar definitivamente na modernidade, é romper com essa pauta inútil, introduzida pelas igrejinhas acadêmicas nas discussões políticas e econômicas.

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