São Paulo, sexta-feira, 5 de agosto de 1994 |
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Raul Ruiz reinventa linguagem do cinema
DAVID FRANÇA MENDES
Até domingo, seis de seus filmes serão exibidos, o que é pouco para se conhecer uma obra imensa, de mais de 80 filmes, mas muito para o público brasileiro, para quem Ruiz ainda é um desconhecido. Chileno, radicado na França desde 1973, Ruiz já fez filmes em francês, espanhol, italiano, inglês, árabe e até português, em cinemascope ou em super-8, em vídeo, com US$ 7 milhões ou com dinheiro nenhum, a partir das sobras de outro filme. Ruiz produz imagens impressionantes resgatando efeitos de lentes e perspectiva artesanais, como se fosse um inventor do cinema. O que talvez ele seja mesmo: Ruiz confessou à Folha que está preparando uma obra de ficção interativa, para computador. Folha - Muitos dos seus filmes, como "Os Destinos de Manuel" e "As Três Coroas do Marinheiro" são labirínticos, de histórias entrelaçadas e paradoxos de tempo. Isso é uma busca consciente da sua parte, uma tentativa de descentrar a narrativa? Raul Ruiz - Eu comecei a fazer filmes cedo, com uns 19 anos. Naquela época, existia uma prática, uma idéia de como se devia estruturar os filmes, que era praticamente uma lei: a fórmula do conflito central. A fórmula consiste no seguinte: há um protagonista, um antagonista, um conflito central entre eles e tudo no filme diz respeito a essa situação. Personagens secundários, cenários, tudo só existe porque existe esse conflito central. Desde o início, me revoltei contra essa lei. Decidi que iria, obsessivamente, fazer de tudo, menos conflito central. Como um pintor que decidisse experimentar tudo em pintura, menos a perspectiva, eu comecei a filmar pelas bordas, fazendo filmes que fugiam do centro, da funcionalidade desse tipo de narrativa. Acho que o exílio também tem muito a ver com isso. Folha - As tecnologias de mídia interativa como os CD-Rom não poderiam libertar o cinema dessa linearidade? O senhor se interessaria em fazer um filme-jogo, por exemplo? Ruiz - Sim, muito. Na verdade, eu vou mesmo fazer um. Folha - Por quê? Ruiz - Veja, eu não estou falando de realidade virtual. Não é isso. É ficção interativa, o que eu pretendo fazer. Olha só: tudo que existe em termos de ficção interativa hoje em dia, e aí se incluem os games de que você falou, é feito segundo uma estrutura de árvore, isto é, há uma situação inicial e um certo número de escolhas, você escolhe e se vê diante de novas escolhas, e por aí vai. O trabalho que eu pretendo fazer organiza o material de forma diferente. Ao invés de uma estrutura de árvore, um "tecido" de espaço e tempo. É muito mais simples e barato, mas eu não posso falar mais. Só digo uma coisa: é um ovo de Colombo. Folha - Você faz pelo menos quatro longas-metragem por ano, mais trabalhos em vídeo, curtas e projetos para a tevê. Por que tanta produção? Ruiz - Porque eu quero trabalhar todo dia. Todo mundo trabalha todo dia e eu gostaria que o trabalho de fazer cinema não fosse diferente dos outros trabalhos que há no mundo. Para mim, pelo menos, não é. Folha - Numa entrevista à revista "Art Presse" você disse que lhe interessava o trabalho do artista como no século 18, quando se faziam sonatas de encomenda. Ruiz - Isso, infelizmente, é cada vez mais raro. Gostaria muito que me encomendassem um filme, e me pagassem um tanto por isso, como quem encomenda qualquer objeto. Antes havia muita encomenda de filmes para comemorar grandes datas, hoje isso está ficando raro, o que é uma pena. Texto Anterior: Avenue Montaigne; Radical-chic; Framboesa Próximo Texto: Morre no Rio o escritor mineiro Cyro dos Anjos Índice |
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