São Paulo, sábado, 6 de agosto de 1994
Próximo Texto | Índice

Giovanni Anselmo traz sua Arte Povera

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

O artista plástico Giovanni Anselmo, um dos maiores representantes da Arte Povera italiana (leia texto abaixo), é o convidado italiano da próxima Bienal Internacional de Arte de São Paulo, entre 12 de outubro a 10 de dezembro próximos.
Pretende criar aqui, na sala de 180 metros quadrados cedida pelo evento, uma síntese de sua produção artística, um microcosmo ideal (leia texto abaixo).
A curadoria está a cargo de Lucilla Saccà, que já esteve no Brasil com uma mostra de gravuras de Mimmo Paladino. Em entrevista à Folha, Saccà falou sobre como a obra do artista se insere no tema da Bienal e sobre a obsessão de Anselmo em relação às questões que seu trabalho aborda.

Folha - A ruptura do suporte nas artes, tema desta Bienal, é um tema abordado desde o início do século. Você não acredita que o trabalho de Anselmo seja bastante formal quando ele é analisado apenas no aspecto do suporte e não nas questões que aborda, como energia, morte, relação com a natureza?
Lucilla Saccà - A arte de Anselmo indica uma ruptura no suporte, mas também uma série de potencialidades que investem nas problemáticas artísticas. De fato, os artistas contemplados com mostras monográficas nesta Bienal –como Hélio Oiticica– envolvem o espectador ao criar estruturas móveis, como os parangolés e os ninhos. Mas este também é um discurso muito semelhante ao de Anselmo, já que envolve sensos e energias.
Folha - Mas Oiticica tinha uma relação muito forte com a cultura popular brasileira enquanto Anselmo parece destacado da cultura italiana e próximo de questões mais abrangentes e universais...
Lucilla - Sem dúvida. São questões mais universais, mas se for feito um paralelismo com a arte minimalista, por exemplo, descobre-se uma diferença fundamental: a Arte Povera é mais sensível. Investe em uma série de materiais diversos e não se preocupa com uma questão puramente formal.
E ainda existe um classicismo na maneira de Anselmo optar pela ruptura que acredito bem italiana, seja na escolha dos materiais ou no rigor nas escolhas, que é muito equilibrado e intelectual.
Folha - A Arte Povera surgiu em um momento de grande contestação política e cultural, que se refletiu no questionamento dos materiais utilizados, dos métodos e propósitos da arte. Estes objetivos valem ainda hoje?
Lucilla - A situação histórica mudou muito e, infelizmente, na Europa, vivemos momentos de regressão, de reação. Sem dúvida, o grande período revolucionário para a arte contemporânea foi esses anos 60: na Itália, com a Arte Povera; na Alemanha, com Joseph Beuys; nos EUA, com a arte minimalista; no Brasil, com Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica... São muitos os artistas que abordam com força esta questão revolucionária da arte. Esta é uma ideologia, é uma convicção e por isso vale ainda hoje.
Folha - A relação obsessiva de Anselmo com as forças da natureza não distanciam sua produção artística de uma relação mais intensa com o espectador?
Lucilla - A relação é obsessiva, sem dúvida, mas eu acredito que todo grande artista vive uma obsessão, de outra forma cairiam em uma forma mais decorativa. Anselmo vive sua obsessão neste sentido, neste rigor, neste querer demonstrar uma arte que não seja decorativa, agradável, mas que carregue conteúdos "morais". Este é seu empenho com a sociedade.
Folha - Os materiais utilizados –terra, pedras, madeira, metais– não representam um tipo de memória arqueológica da Terra?
Lucilla - Sem dúvida, representa uma memória arqueológica. Isto é muito universal.
Folha - Conceitos menos físicos, como memória, desejo, estão presentes na obra do artista?
Lucilla - A memória, sem dúvida alguma, mas sua arte vive o presente e o futuro. Não é uma arte de lembrança. É uma arte que exprime o movimento, a vida, isso é muito importante. O trabalho com a verdura é concebido sobre a vida da verdura. Quando a verdura seca, a pedra menor que é mantida pelo fio de cobre deveria cair. Por isso a verdura é trocada para que não se desidrate e mantenha a pedra menor. É uma arte muito do presente, vital. Ele quer suscitar interrogações no espectador. Quer demonstrar o movimento, o momento que passa, o tempo...

Colaborou MARILI BRANDÃO, designer e responsável pela coordenação internacional da participação de Giovanni Anselmo na Bienal

Próximo Texto: Curadora segue arte brasileira
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.