São Paulo, sábado, 6 de agosto de 1994
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Faz-de-conta

Era uma vez um país em que políticos fingiam que se sensibilizavam com os problemas de corrupção no país e fingiam que aprovavam leis que contribuiriam para elevar os baixíssimos padrões éticos das campanhas eleitorais anteriores. E a sociedade, embora desconfiada, chegou a acreditar que as coisas haviam mudado pelo menos um pouquinho. Doce ilusão.
Como esta Folha demonstrou na edição de ontem, a máfia sonegatória que sempre cercou as doações a políticos continua a operar livremente, desenvolta, impudica. Este jornal, bem como diversos especialistas, já havia alertado para o fato de que as doações para campanha através dos bônus eleitorais constituiriam uma maneira bastante cômoda e fácil para pessoas jurídicas burlarem o fisco, "lavando" recursos obtidos no "caixa 2".
Nada mais fácil, afinal, cada partido solicita à Casa da Moeda a quantidade de bônus que bem desejar e repassa-os a empresários com deságio, garantindo assim o recebimento de recursos que de outra forma não conseguiria. Não há dúvida de que este tipo de relação escusa entre empresas e candidatos a governantes é o embrião de modalidades ainda mais graves de corrupção.
E o fato de a Folha ter conseguido desmascarar esse esquema no PL deve-se só ao fato de este partido ter sido mais "ágil" nas negociações, pois a reportagem já havia estabelecido contato com outras agremiações dispostas a realizar o mesmo tipo de operação fraudulenta.
De qualquer forma, não deixa de ser lamentável e profundamente irônico o fato de a legenda apanhada ter sido a do candidato à Presidência da República cuja principal bandeira é a do combate à sonegação pelo imposto único.
É preciso que as instâncias competentes ajam com o máximo rigor neste caso. Ainda é tempo de diminuir o festim que partidos inidôneos e empresários inescrupulosos vêm realizando com dinheiro público.
O pior, contudo, é que o Congresso, composto por políticos que vêm encontrando dificuldades para financiar suas campanhas à reeleição, poderá aprovar a isenção do IR sobre as doações aos partidos. Seria um acinte, a confirmação de que o Brasil é o país do faz-de-conta: alguns políticos fingem que são honestos, alguns empresários fingem que ganham produzindo e a população, mais uma vez, assiste a tudo bestificada. E pagando a conta.

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