São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Tributos, produção da riqueza e justiça social

ANTONIO KANDIR

A reforma do sistema tributário será um dos maiores desafios do próximo Congresso. Com raras exceções, não há quem não defenda uma profunda simplificação do sistema tributário atual. As divergências começam quando se trata de definir qual deva ser especificamente o novo sistema tributário.
Há, em primeiro lugar, um problema de enfoque. É grande equívoco discutir em separado a questão tributária da questão mais geral da reforma do Estado.
O Estado é um provedor de bens e serviços. É preciso, assim, que definamos que serviços e e bens ele deve ofertar, com que qualidade, através de que instrumentos, para emprestar sentido e consistência à discussão sobre quanto e de que forma estamos dispostos a pagar a Receita.
Essa premissa se traduz em questões muito concretas. No caso das políticas de educação, saúde e assistência social, vamos manter o que resta da centralização do regime autoritário ou caminhar para uma descentralização completa?
Quanto à Previdência Social, vamos manter um sistema destinado ao colapso, fazer-lhe um remendo ou reformá-lo para valer?
Com relação ao funcionalismo público, vamos deixá-lo como está, despreparado, desprestigiado e enroscado no corporativismo ou vamos recuperar a competência da burocracia pública, flexibilizando a estabilidade e promovendo políticas de formação e retreinamento?
Com respeito às estatais, qual deve ser a extensão do programa de privatização?
A eficiência e a justeza de um sistema tributário não se definem em si mesmas, mas são função do tipo, quantidade e qualidade dos bens e serviços financiados com o dinheiro dos impostos. São função também das características da sociedade e da economia do país.
O Brasil tem uma economia bastante sofisticada e uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais. Fosse uma economia de trocas mercantis simples, e não uma economia industrial caracterizada por múltiplos encadeamentos entre os diversos setores e etapas da produção, haveria pouco a objetar quanto a propostas de sistema tributário que acenam com a suposta vantagem de um único tributo, incidente sobre transações financeiras.
Um sistema tributário com essa característica, cujo charme é a simplicidade, traria mais males que benefícios. Oneraria a produção dos processos produtivos mais complexos, com numerosas transações envolvidas. Um imposto sobre a produção, incidindo em cascata, com impactos negativos sobre a competitividade do país, inibidor do investimento e da agregação de valor.
Não bastasse isso, um sistema tributário com um único imposto de mesma alíquota, bem como todos os demais sistemas que se distinguem pela indiferenciação de alíquotas, enfraquecem o sistema tributário enquanto instrumento de redistribuição de renda.
Numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, as quais o mercado sozinho não é capaz de resolver, é fundamental que se diferencie a contribuição de cada um de acordo com a respectiva capacidade contributiva.
Todavia, para que seja um instrumento eficaz de redistribuição da riqueza, o sistema tributário não pode ser um entrave à geração da riqueza, como ocorre hoje no Brasil. A geração de riqueza será tão maior quão mais isenta de impostos for a esfera da produção.
Devemos, por isso, caminhar para um sistema que tribute, de modo diferenciado, o consumo, a renda, o patrimônio e o comércio exterior (nesse caso, com objetivos ligados à política industrial).
Haverá muitas questões controversas a enfrentar no tocante à reforma do sistema tributário, algumas tecnicamente complexas. No fundamental, porém, as forças social-democratas não podem perder de vista os dois grandes objetivos da reforma: ao mesmo tempo, eliminar obstáculos à produção de riqueza e construir as condições e os instrumentos de políticas permanentes de modernização produtiva e combate à desigualdade social.

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