São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Romário se vê como sucessor de Senna

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Em entrevista exclusiva, o atacante tetracampeão fala sobre sua 'cruzada' pelas crianças, política e futebol
"Eu não vou fazer campanha. É muita responsabilidade"
"Agora é fácil ser meu amigo. Queria ver é dez anos atrás"
"Gosto muito do jeito do Cruyff. Como eu,ele é sincero ao falar"
O jogador Romário, 28, acredita que é o sucessor do piloto Ayrton Senna como herói brasileiro. Senna morreu em acidente no dia 1º de maio.
"Com o tetracampeonato mundial, eu fiquei no lugar dele", afirma. "Houve uma massificação minha como rei". Uma canção gravada pela banda Bel tem como refrão o verso "Romário é rei."
O atacante da seleção brasileira concedeu entrevista exclusiva à Folha na manhã de anteontem, a bordo de um Boeing 737-400 em que viajou de Vitória (ES) ao Rio.
Ele falou durante os 41 minutos do trajeto entre os aeroportos de Goiabeiras e o Internacional do Rio.
Sentado numa poltrona de centro, dispensou a da janela –que preferiu na viagem da seleção brasileira para os Estados Unidos antes da Copa do Mundo, dia 25 de maio.
Foi interrompido três vezes para assinar autógrafos. No vôo de ida, na véspera, gastou 20 minutos atendendo fãs, especialmente crianças.
Foi responsável por histeria na chegada a Vitória. Cerca de 500 pessoas, de acordo com a Polícia Militar, o esperaram no aeroporto.
Sua passagem deixou dezenas de adolescentes sentados na calçada chorando. Na despedida, repetiram-se gritos histéricos que costumam acompanhar apresentações de grupos de música pop.
Ao contrário de Bebeto, 30, Romário ainda quer jogar na seleção brasileira. Pretere o atacante Ronaldo como seu substituto na seleção na Copa de 98.
Acha seu amigo Edmundo, atacante do Palmeiras, mais indicado para o cargo.
"Amigo dos amigos", Romário levou dez deles para jogarem com ele quinta-feira em Vitória contra uma equipe local de veteranos.
Na volta, acertou os últimos preparativos para um show beneficente previsto para ontem na Vila da Penha, subúrbio carioca onde cresceu.
Ele riu ao falar na possibilidade de jogar no Flamengo, arqui-rival do Vasco, clube que o revelou. "É quase impossível eu sair do Barcelona (Espanha) porque meu passe custa US$ 10 milhões."
Se não for agora, já decidiu. Dentro de dois anos, quando parar de jogar, volta para o Rio. "Esse aqui é o melhor lugar do mundo."

A seguir, leia os principais trechos da entrevista de Romário
Folha - Você disse na semana passada que está numa "cruzada beneficente" pelo país. No dia seguinte, recebeu US$ 50 mil de cachê para jogar em Vitória, no Espírito Santo.
Romário de Souza Farias - É bom deixar bem claro essa história. Todo mundo que me conhece sabe que parte dessa grana vai ser doada, como eu sempre fiz.
Folha - Vai ser doada para quem?
Romário - Eu ajudo orfanatos, a campanha da fome do Betinho. Para ela eu já doei US$ 2.000 que ganhei de prêmio de uma empresa em jogos da Copa.
Desde que jogava no Vasco organizo atividades assim. Nesse fim-de-semana organizei um show na Vila da Penha (subúrbio carioca) com mais de dez grupos, entre eles o Raça Negra.
O dinheiro vai ser dado para favelados do Jacarezinho (favela da zona norte do Rio onde Romário passou a primeira infância), para crinças pobres da Vila da Penha (onde ele cresceu) e para um orfanato.
Folha - Por que você resolveu entrar, como definiu, nessa "cruzada"?
Romário - Porque acho que o esporte, principalmente o futebol, pode dar uma contribuição importante para isso.
Na quarta-feira fui a uma partida beneficente para ajudar as crianças com vírus HIV (causador da Aids) do hospital Gaffrée e Guinle.
Folha - Como você vê o país que tem o futebol tetracampeão mundial?
Romário - Com preocupação. O grande defeito, a grande falha do Brasil, é o que o governo deixa de fazer para as crianças. O governo não faz nada.
Sempre falei nessa questão, não é de agora, mas os governos nunca se mexeram.
Folha - O que pode resolver essa situação?
Romário - Acho que as eleições podem ajudar. O que não adianta é escolher de novo alguém como o Collor (Fernando Collor de Mello).
O Brasil não precisa de um presidente com gravatinha, que fale várias línguas como o Collor.
Folha - Você já admite votar em Fernando Henrique Cardoso (PSDB-PFL-PTB). Por quê?
Romário - Repito que ainda não defini. Mas levo em conta o que pensa o povo para decidir. E o povo está achando que o Plano Real está dando certo.
Folha - E o que você pensa do plano?
Romário - Também acho que está dando certo. Só acho que não será possível que o dólar se mantenha por muito tempo na cotação baixa em que está.
O acerto do Real deve influenciar minha escolha na eleição, mas não vou fazer campanha para ninguém.
Folha - Por quê?
Romário - Porque é uma responsabilidade muito grande indicar um candidato. As pessoas é que têm de saber em quem votar. Veja o exemplo da minha família em 1989.
Eu votei no Lula, minha mulher no Collor, minha mãe naquele cara de São Paulo, o Maluf, e o meu pai no Brizola.
Cada um na sua. Eu não tento influenciar ninguém.
Folha - Você ainda tem plano de construir um centro de educação de crianças no Rio depois que parar de jogar?
Romário - Sim. Às vezes dou esmola para crianças quando páro no sinal de trânsito, como faz muita gente.
Mas não é isso que vai mudar a situação. No máximo, a criança não vai sentir fome naquele dia.
Por que o governo não constrói centros para educar, com esporte, umas três mil crianças em cada um?
Folha - Você e os outros jogadores da seleção brasileira ofereceram o tetra à memória de Ayrton Senna. Você se considera o sucessor de Senna para o povo brasileiro? Como é ser o "rei" Romário?
Romário - Tem esse lance do rei, nome que o pessoal colocou. O Ayrton Senna faz falta. A morte dele deixou o povo brasileiro muito carente.
Com o tetra, eu fiquei no lugar dele. O futebol é o esporte mais popular no Brasil, a Fórmula 1 vem em seguida. Mas o Senna era o nosso grande ídolo.
O Brasil ficou órfão. E houve um massificação minha como rei, como uma espécie de sucessor dele.
Folha - O seu confronto com o técnico do Barcelona, Johan Cruyff, pode estar caminhando para uma ruptura. O fato de vocês dois serem donos de personalidades fortes dificultou um acordo?
Romário - Não acho. Gosto muito do jeito do Cruyff. Ele se comporta como eu, é sincero. Diz na cara tudo o que tem para dizer. A minha personalidade também é assim.
O que não admito é que outros técnicos me critiquem. Li que o Telê Santana (técnico do São Paulo) me criticou.
Ele não foi tetracampeão mundial, não é ninguém. Eu quero que o Telê vá dormir.
Folha - Você não foi intransigente com o Barcelona?
Romário - Não. Os outros jogadores da seleção brasileira que atuam na Europa foram liberados pelos seus clubes.
Eu fui o único jogador do Barcelona a chegar até a final da Copa do Mundo. É isso o que eles tem que entender na Espanha. Além do mais, eu nem estou de férias.
Folha - Como não?
Romário - Veja bem: na segunda-feira fui com a minha família para Angra dos Reis (litoral fluminense). Mas na quarta eu já estava no Rio para a partida que ajudou as crianças do Gaffrée e Guinle.
Na quinta-feira eu já estava indo para Vitória jogar. Na sexta, de volta ao Rio. No sábado, na Vila da Penha para o show. E no domingo (hoje), em Manaus para jogar futevôlei. Isso são férias?
Folha - Você viajou a Vitória com dez velhos amigos. Você não tem feito amigos novos?
Romário - Agora é muito fácil ser meu amigo. Eu queria ver é seis, dez anos atrás. Eu sou fiel aos meus amigos e eles são fiéis a mim. Não vou mudar.
Folha - Quais são suas principais características? Muita gente o considera "mascarado".
Romário - Não é verdade. Eu tenho três qualidades que aprendi com meu pai: simplicidade, honestidade e, importante, sou amigo dos meus amigos.
Folha - Você vai voltar a jogar pela seleção brasileira?
Romário - Meu plano é o de parar de jogar com 30 anos. Como tenho 28, continuo na seleção.
Folha - E quem será o seu substituto na Copa do Mundo de 1998? O atacante Ronaldo, de 17 anos?
Romário - Acho que o meu substituto será Edmundo (atacante do Palmeiras, o maior amigo de Romário no futebol).
Folha - Como o Brasil precisa jogar para conquistar seu quinto título mundial?
Romário - Acho que o fundamental é que o novo técnico tenha a mesma mentalidade do Parreira. É claro que eu prefiro jogar com muitos atacantes. Mas ele usou só dois na Copa e foi assim que vencemos.
Folha - Em Vitória você se irritou com perguntas comparando-o ao argentino Diego Maradona. Por quê?
Romário - Ora, além de sermos baixinhos e usarmos brinco, o que mais temos em comum? Nem o conheço.
Folha - Quando seu filho Romarinho nasceu no começo do ano, você disse que gostaria que ele fosse jogador de futebol. Quase nenhum jogador diz o mesmo. Você continua com a mesma opinião?
Romário - Não é que eu queira, mas ficaria contente se ele fosse jogador. A minha filha, Moniquinha, também me deixaria contente se fosse médica, talvez cuidando de crianças. Mas eles é que vão decidir.

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