São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Americano veio caçar minas

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um capítulo da história da tecnologia militar no Brasil está sendo ressuscitado por um pesquisador americano, Darryl Brock, de Saint Louis, Missouri.
Brock pesquisa a vida de ex-oficiais e engenheiros que lutaram na Guerra Civil Americana (1861-1865) e vieram depois prestar seus serviços especializados a países latino-americanos.
Foi o caso de um engenheiro que lutou do lado dos confederados americanos e em seguida prestou uma assessoria inestimável à Marinha brasileira durante a Guerra do Paraguai (1865-1870), James Hamilton Tomb.
Brock descobriu por acaso as memórias manuscritas de Tomb no arquivo da Universidade da Carolina do Norte, segundo afirmou em entrevista por telefone à Folha.
Foi o começo da pesquisa sobre a vida do engenheiro, que no Brasil é conhecido por poucos historiadores, geralmente ligados à Marinha. "Foi um dos poucos casos de evasão de cérebros bem-sucedidos dos EUA", afirma Brock.
Tomb era um especialista em uma arma relativamente recente, que hoje é conhecida como mina naval, mas naquela época tinha o nome genérico de torpedo.
Os "torpedos" eram recipientes com explosivos, flutuantes ou ancorados no fundo do mar (quando se inventou o "torpedo automóvel", o nome passou a designar apenas esse tipo; os outros viraram minas).
Esses engenhos eram um dos principais obstáculos que a Marinha brasileira tinha pela frente em sua tarefa de subir o rio Paraguai.
A Guerra Civil americana iniciou uma corrida tecnológica em armamentos que teve seu reflexo imediato na guerra que veio em seguida na América do Sul.
A principal inovação foi o navio couraçado com ferro.
Alguns exemplares já tinham sido usados por franceses durante a Guerra da Criméia contra os russos uma década antes. Mas o primeiro combate entre navios couraçados aconteceu entre um navio federal americano, o Monitor, e outro confederado, o Virginia (ex-Merrimack).
A batalha de Riachuelo, em 1865, foi vencida pelos brasileiros com velhos navios de madeira. Para enfrentar os canhões paraguaios rio acima, porém, seriam necessários navios com couraça.
Alguns foram construídos no Arsenal de Marinha do Rio, um raro empreendimento industrial no agrário império. Outros foram importados.
Apesar de impermeáveis mesmo aos canhões mais modernos da década de 1860, os navios brasileiros podiam ser afundados de modo barato, por minas.
Foi o caso do novo couraçado Rio de Janeiro, construído no Rio e afundado em frente às posições paraguaias em Curuzu, onde está até hoje à espera de arqueólogos.
Tomb avisou o comandante do Rio de Janeiro, Brasílio Silvado, da presença das minas. Mas o impetuoso oficial quis chegar mais perto do inimigo e perdeu a vida e o navio.
O confederado conseguiu que outros ouvissem seus conselhos. Ele adaptou o couraçado Tamandaré como uma espécie de protocaça-minas e varreu outros tantos explosivos do rio com uma equipe em um bote.
Uma das minas que limpou tinha 250 kg de pólvora, o suficiente para explodir qualquer navio brasileiro.
O avanço brasileiro pelo rio Paraguai foi lento, mas não há dúvida de que seria ainda mais vagaroso sem a ajuda desse consultor técnico.

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