São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Guerra também é cultura

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para um historiador, a guerra costuma ser mais interessante que a paz. O britânico A. J. P. Taylor, autor de um livro clássico sobre as origens da Segunda Guerra Mundial, foi quem disse isso certa vez, embora ele escrevesse sobre temas bem variados. Seu conterrâneo John Keegan foi além. Dedicou-se exclusivamente à história militar, e produziu agora o seu clássico.
"A History of Warfare" (Hutchinson, Londres; ou Alfred A. Knopf, Nova York, 432 páginas) é um livro ambicioso, a começar pelo título. A tradução ideal seria algo como "Uma História do Guerrear", e não "da Guerra". Não é uma compilação enciclopédica das inúmeras vezes em que homens se mataram, e sim uma análise do modo variadíssimo como essa antiga atividade foi realizada.
"O que é a guerra?", ele pergunta logo de cara, e responde com uma provocação: "não é a continuação da política por outros meios". O ditado é atribuído ao alemão Carl von Clausewitz (ele disse algo parecido, mas não literalmente essa frase), autor do mais famoso tratado sobre o tema, "Da Guerra". Keegan quer mostrar que a idéia está incompleta. Para ele, a guerra abrange muito mais que a mera política –"é uma expressão da cultura, muitas vezes um determinante de formas culturais, em algumas sociedades é a própria cultura".
Longe de ser uma aberração, como gostariam os pacifistas, a guerra é uma parte inseparável das várias civilizações (o que não quer dizer que Keegan a defenda). Assim como os marxistas falam em seus }modos de produção, pode-se dizer que há diversos "modos de guerrear". O ocidental é apenas um deles, reflexo da tradição greco-romana. Seu lado implacável –vide o massacre dos iraquianos pelos americanos na Guerra do Golfo– é herança da necessidade dos gregos de resolverem logo os conflitos, o que tende a torná-los mais sangrentos. Agricultores sem condições de dedicar todo o tempo ao exército, os gregos se reuniam para campanhas rápidas e eficazes.
Keegan é autor de livros com temas mais restritos –como uma interessante história da derrota francesa em Dien Bien Phu, Vietnã, uma rara obra dele traduzida em português– e outros com temas mais abrangentes. "The Face of Battle" dá uma descrição detalhada de como a batalha é vista pelo combatente individual, o soldado que enfrentava a cavalaria francesa em Agincourt ou as metralhadoras alemãs no Somme. "The Mask of Command" estuda a evolução dos estilos de comando através de personalidades como Alexandre, o Duque de Wellington (o vencedor de Waterloo) ou Adolf Hitler. "The Price of Admiralty" enfoca a evolução da guerra naval.
"A History of Warfare" é portanto a cristalização de trinta anos de estudos, e mostra uma erudição impressionante. Não foi à toa que recebeu resenhas em locais tão díspares como a revista semanal "The Economist", a revista científica "Nature" ou a literária "The New York Review of Books".

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