São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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O Brasil e a terceira revolução

PAULO RENATO SOUZA

O atual processo eleitoral, segundo alguns analistas, estaria confrontando o país com duas opções igualmente viáveis, porém excludentes. De um lado a inserção da economia mundial, que consolidaria, entretanto, o chamado "apartheid social" doméstico.De outro, a integração social interna, a qual,entretanto, seria incompatível com o paradigma de competição internacional, o qual implicaria a adoção de um modelo interno excludente. Este é um suposto altamente questinável.
O cenário hoje é altamente distinto do que prevaleceu nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra. Estamos vivendo a experiência inusitada de uma nova revolução industrial, tanto nas estruturas de investimento e de consumo, quanto na produção dos bens e serviços, com notável redução do uso da mão-de-obra.Grandes empresas fazem diariamente reestruturações, enxugamentos, automação e terceirização de muitas atividades, reduzindo o ritmo de geração de empregos. O emprego será certamente o problema número um do mundo nos próximos 25 anos.
Nas duas revoluções industriais anteriores já havia ocorrido problemas semelhantes. Processos produtivos foram destruídos, empregos e ocupações foram eliminados. Mas, nas novas formas de produção, novas oportunidades foram criadas. Com as novas tecnologias, surgiram novos produtos, cuja demanda expandiu-se rapidamente. No início do século, a segunda revolução industrial trouxe redução significativa da jornada de trabalho e inaugurou um período de benefícios sociais aos trabalhadores. Não podemos prever as soluções para o tema do emprego nesta terceira revolução industrial. Seguramente a saída será mais difícil, mas nada nos autoriza a antecipar um fracasso rotundo. Possivelmente assistiremos a uma expansão de novas atividades, como também as novas reduções na jornada de trabalho.
Além disso, os governos estão procurando ativamente adotar políticas de emprego e de retreinamento de mão-de-obra e os países vêm procurando adaptar os resultados das políticas sociais às difíceis circunstancias atuais.
Cada uma das revoluções industriais anteriores inaugurou um novo modo de produção, que se estendeu enexoneravelmente ao resto do mundo. Quanto mais cedo se deu o engajamento dos países ao novo paradigma, maiores foram suas chances de êxito, ou seja, de incorporar-se ao grupo de beneficiários da nova ordem mundial.
Os países líderes não foram só capazes de crescer, como também de responder ás demandas sociais de suas populações. Os demais foram relegados a uma situação periférica e dependente e puderam aspirar, no máximo, a um crescimento desestruturado, onde partes do mundo moderno se reproduziram num contexto geral de atraso e de pobreza. Não era essa a situação do Brasil nos anos 70, depois de um grande surto desenvolvimentista "atrasado" ?
Na verdade já estamos nos atrasando novamente em relação ao mundo neste início da terceira revolução industrial. Algumas vantagens e posições chave já foram definitivamenteconquistadas por outros países. Enquanto nos debatíamos com a crise, não fomos capazes de enxergar o caminho e realizar as opções necessárias.
Entretanto, ainda é tempo.A desestruturação que essa terceira revolução provocou mantém ainda abertas as oportunidades para países que já possuem um mínimo de condições para um grande salto no sentido da modernidade.O tempo para uma definitiva inserção na nova onda produtiva e tecnológica é, porém, agora. Não daqui a quatro anos.
Perder esses quatro anos seria fatal para o Brasil: significaria inviabilizar as políticas sociais necessárias para realizar a transição para o novo paradigma industrial, e deixar de gerar os recursos para responder as crescentes demandas sociais.
A tentativa de criar um modelo de desenvolvimento autônomo tecnologicamente, implica na visão dos que se opõem à integração internacional, simplesmente está condenada ao fracasso. As experiências históricas nesse sentido tiveram fôlego curto, ou foram baseadas em modelos políticos extremamente autoritários.
Inserir o Brasil no mundo requer conhecer as regras do jogo:manutenção do equilíbrio macroeconômico, um clima de confiança adequada à realização de investimentos, um bom relacionamento com a chamada comunidade financeira internacional, um razoável grau de abertura comercial são condições necessárias.
Existe, porém, um grau muitíssimo amplo de opções no campo das políticas de investimento e de estímulo à industria e agricultura. Nestas áreas o Brasil tem todas as condições para obter imensas vantagens, pelo tamanho da sua economia e a experiência já acumulada.
Todas as condições estão dadas para um salto de desenvolvimento em nosso país, desta vez para conformar uma sociedade mais justa. Não se trata de fazer o bolo crescer para depois distribuir": é preciso distribuir junto com o crescimento. A única coisa que não se pode é distribuir sem crescimento.
A proposta de Fernando Henrique, esboçada em seu discurso "O real e o Sonho" na semana passada, está inserida na mais pura tradição desenvolvimentista e social-democrata. Com um qualificativo: seu ponto de partida são as condições do mundo de hoje e não as de um mundo do passado ou idealizado e, portanto inexistente.

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