São Paulo, segunda-feira, 8 de agosto de 1994
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São Paulo é uma cidade porca e imunda

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

São Paulo é uma cidade medonha. Tenha pena de mim, José, que nasci nesta parada, e tenho que respirar este ar, ver o que vejo, sujar minhas pobres mãos. São Paulo é uma cidade imunda.
Procure passear na avenida Robert Kennedy, zona sul, num domingo de sol: uma tonelada de restos não biodegradáveis repousam sobre as sombras da única praia paulistana.
Há alguns anos, apaixonado por uma intelectual de 17 aninhos, liguei convidando-a para um passeio, e pensei em momentos diferentes e únicos.
Levei-a para o parque da Luz para um piquenique, sob a proteção dos arcos ingleses da estação da Luz; um programa europeu para uma menina que via longe e sonhava perto.
Descemos do metrô, e caminhamos como intelectuais caminham, contemplando a fachada da Faculdade de Belas Artes. Na entrada do parque, o odor de lixo podre nos trouxe de volta ao Terceiro Mundo.
Procuramos não nos ater ao chão, onde jaziam toneladas de cascas de laranja e melancia, papéis, pedaços de pastéis, copos de plástico, pombas doentes, muletas, sapatos velhos, cruzeiros antigos, cinzas humanas, e fomos para a grama, depois de desviarmos de três poças de mijo, três cocôs humanos, e três vômitos cozidos pelo sol.
O romance rendeu, mas mudamos os programas.
O ar de São Paulo anda irrespirável, e o trânsito, insuportável. A prefeitura doou uma praça da avenida Dr. Arnaldo para a construção de um museu; mais um. O prefeito desaloja uma favela para construir uma avenida; mais uma.
O parque D. Pedro tem três árvores, trinta viadutos e trezentos ônibus clandestinos. A praça da Árvore tem um respirador do metrô e alguns arbustos. O Memorial da América Latina não tem árvores, e a praça 14 Bis não é mais praça, mas um ponto de ônibus.
Duas da manhã da última quinta-feira, uma camada grossa de espuma branca cobria o rio Tietê da Rodovia dos Trabalhadores à Ponte das Bandeiras. Acho que só eu vi já que não li nada a respeito, nem ouvi um comentário.
São Paulo precisa parar, refletir. Urgente: onde estão os ecologistas? Quero me filiar, José.

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