São Paulo, segunda-feira, 8 de agosto de 1994
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Chumbo grosso

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO – Para quem não sabe direito o que houve –os mais jovens, principalmente– ou para quem ainda tem dúvidas quanto aos métodos dos militares durante os anos em que estiveram ilegitimamente no poder, esta semana chega às livrarias uma ótima chance de se conhecer alguns dos pilares que deram sustentação ao regime militar.
O livro "Os Anos de Chumbo – A Memória Militar Sobre a Repressão" (Editora Relume-Dumará) traz um dos mais crus, cínicos e chocantes depoimentos sobre a tortura que grassou no país nos anos negros do regime (1967 a 1974).
O que torna tal depoimento ímpar é o fato de ele partir de um dos protagonistas da tortura. Não um ex-preso violentado, mas um convicto comandante de torturadores.
Trata-se do general Adyr Fiúza de Castro, hoje na reserva e que foi chefe do Serviço de Informação do Exército e do famigerado Codi –Centro de Operações de Defesa Interna–, um centro de combate-a-qualquer-custo aos adversários do regime.
Seu depoimento aos pesquisadores Maria Celina D'Áraújo, Gláucio Dillon Soares e Celso Castro, autores do livro, é impressionante. Vale a pena reproduzir alguns trechos:
"Quando não se tem tempo, ou se desiste do interrogatório ou se aplicam métodos violentos."
"Há um método de interrogatório em que você põe um eletrodo nos dedos, em qualquer lugar –os mais sádicos põem no bico dos seios ou nos testículos– e roda um dínamo. E quanto mais rápido você girar aquele dínamo, maior a voltagem que dá."
"Nunca fiz tortura (...). Mas não sou contra. Guerra é suja."
"Para as moças (presas) era dado imediatamente um modess, porque a primeira coisa que acontece com a mulher quando ela é submetida a essa angústia é ficar menstruada. E fica escorrendo sangue pela perna abaixo, uma coisa muito desagradável."
"No caso de um sequestro nós temos que considerar o elemento sequestrado como morto. Evidentemente não sendo uma pessoa da minha família."
Aí está apenas uma amostra de quem dirigiu este país durante 21 anos. Evidentemente que nem todos os militares da época pensavam desta maneira. Mas no seu tempo Adyr Fiúza tinha poder, mandava muito. Ainda bem que está no passado. Passado triste, duro de se recordar.

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