São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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Diretor restaura "clipe" de Noel Rosa

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta estreante Alexandre Dias da Silva, 28, mostra hoje, a partir das 20h30, em Gramado, um curta-metragem que vai alterar os livros de história da música brasileira e do cinema nacional.
Seu documentário, intitulado "O Cantor de Samba", contém uma sequência de três minutos de duração com o Bando de Tangarás, liderado pelo cantor e compositor Almirante. No filme está a única imagem em movimento conhecida do compositor carioca Noel Rosa (1910-1937), que integrou o grupo entre 1929 e 1931.
A lata com a película, em negativo de nitrato, foi vendida no fim de 1992 à FAAP (Fundação Alvares Penteado) de São Paulo por um colecionador carioca.
"A FAAP recebeu o material sem conhecer direito o conteúdo", conta Silva. "Quando copiamos o filme, estávamos diante de algo espetacular. Eram duas sequências de curtas musicais. Um com o Bando de Tangarás cantando o lundu 'Vamos Fallá do Norte' e outro, parcialmente avariado, com a cantora Aracy Cortes interpretando 'Jura', de Sinhô".
Silva decidiu pesquisar e realizar um projeto de restauração do filme do Bando de Tangarás. Conseguiu levantar US$ 17 mil e completou o trabalho em um ano.
Produziu um documentário de 12 minutos à maneira de um noticiário de 1929. A cereja no bolo, naturalmente, é o filme com o Bando de Tangarás.
Silva localizou a gravação da música "Vamos Fallá do Norte" (Almirante), lançada em setembro de 1929 pelo selo Parlophon, na mesma época da estréia do filme no Rio e em São Paulo.
Segundo o cineasta, o filme é um dos últimos remanescentes do início do cinema sonoro no Brasil.
Silva sincronizou disco e película por computador e chegou ao resultado esperado: o filme e a gravação coincidiram. Isso o levou à conclusão de que o filme foi rodado com o uso do disco 78 rpm, tocado em uma vitrola.
Foi dirigido pelo cineasta italiano Paulo Benedetti (1863-1944), pioneiro em experiências com cinema falado no Brasil e dono da patente do sistema Vitaphone (sincronização de som e imagem por meios mecânicos, mais primitivo que o sistema Movietone, lançado em 1927 pela Warner com o filme "O Cantor de Jazz").
Os historiadores davam como perdidos os curtas de Benedetti. Na época, pouco antes da introdução do sistema Movietone no Brasil, ele produziu cerca de 40 curtas musicais, antecipando-se também à linguagem do videoclipe.
Benedetti fazia filmes para serem lançados com os discos. Silva localizou nove títulos.
"Vamos Fallá do Norte" foi rodado em setembro de 1929 no quintal do estúdio de Benedetti, localizado na rua Tavares Bastos, 153, no bairro do Catete, Rio.
O próprio Almirante conta a história da filmagem no livro "No Tempo de Noel Rosa" (Francisco Alves, 1977): "Num pequeno quintal da casa, com um velho gramofone no chão a rodar os discos, com as cinco figuras, inteiramente mudas, apenas gesticulando as cantigas e mal soando os instrumentos, o Bando de Tangarás realizou quatro 'filmes falados' ".
Almirante se esqueceu do sexto Tangará: o irmão de Braguinha, Abelardo, que faz coro ao lado do agitado Almirante (sempre fazendo gestos de regência) e de um Noel estreante e às voltas com suas primeiras emboladas sertanejas.
Noel é o mais estático. Parece preocupado e olha em direção a um ponto, talvez o gramofone. A certa altura, afina o violão sem perder o ritmo.
O "clipe" de Noel será exibido no dia 30 no Cinesesc em São Paulo. Silva quer negociar uma exibição no programa "Fantástico".

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