São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Presidentes cumprem programas de governo

VINICIUS TORRES FREIRE

O candidato à presidência Fernando Collor de Mello disse que não mexeria na poupança (o que segundo ele, seria feito pelo seu adversário de segundo turno, Lula). Na sua carteira de identidade de candidato estava escrito que ele era o "caçador de marajás" e inimigo número um da corrupção. Como todo mundo sabe, e faz uso para manifestar ojeriza a políticos, Collor foi deposto por envolvimento em irregularidades e não só mexeu na poupança, mas a confiscou.
Diante disso, e do uso cada vez mais intensivo e refinado do marketing político, parece cinismo insolente ou ingenuidade tola dizer que a imagem apresentada pelos candidatos antes das eleições, seus programas inclusive, têm algo a ver com a realidade futura dos seus governos. Mas têm.
Desde o governo Dutra (1946-1951), os presidentes eleitos cumpriram as diretrizes econômicas gerais definidas em seus discursos de campanha e programas e, fora, Collor, muito mais do que isso.
Normas macroeconômicas (política fiscal, de comércio exterior, por exemplo), prioridades de investimento, modelo de desenvolvimento, enfim, todas as políticas que definem a vida econômica de um país, correspondiam às intenções explicitadas nos programas de presidentes brasileiros eleitos.
Desde 1947, Getúlio Vargas, que governou como presidente eleito entre 1951 e 54, falava em nacionalismo, nacionalização dos recursos do subsolo, incentivo à eletrificação (faltava energia para as indústrias), planejamento econômico (então uma novidade) e atenção aos direitos trabalhistas (ainda que dentro dos limites populistas de controle dos sindicatos).
Vargas montou uma equipe para planejar a economia. Lançou o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico. Criou a Petrobrás e o monopólio do petróleo pela União. Aumentou o salário-mínimo em 300% no primeiro ano de governo e suprimiu o atestado de ideologia nas eleições sindicais. Aumentou em 67% o fornecimento de energia elétrica.
É certo que também aumentou a repressão aos movimentos sindicais e durante seu governo foi criada uma lei que exigia autorização da polícia para comícios.
Juscelino Kubitschek (1956-1961) cumpriu parte do seu Plano de Metas, a relativa ao programa de industrialização. Collor, mal e mal, colocou na agenda político-econômica do país a discussão da necessidade da abertura da economia, da competitividade e das privatizações.
Imaginar que os programas são meras peças de marketing é admitir que milhares de militantes e técnicos envolvidos na sua elaboração são todos piratas esperando para embarcar em mais uma missão de pilhagem. E, mais importante, é ignorar que, quando divulgam suas metas, partidos e candidatos a presidentes estão articulando apoios e fazendo compromissos com interesses bem articulados na sociedade.
Saber ler um programa não é apenas listar uma série de promessas quantitativas ("x" milhares de casas populares, ou "y" milhões de empregos). É preciso verificar as diretrizes e interesses, legítimos ou não, aceitáveis (para cada um), ou não, para saber que país as metas gerais vão criar. E quais são as possibilidade daqueles números "x"e "y" virem a se concretizar.

Texto Anterior: Jovem vota mais no PT
Próximo Texto: PL anuncia hoje renúncia de Rocha
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.