São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Romero traz 'Malo' e prepara 'Macbeth'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Título: Malo - Nove Cânticos de Amor e Perdição
Autor e diretor: Romero de Andrade Lima
Quando: Hoje, amanhã e sábado, às 21h; domingo, às 19h. Até domingo.
Onde: Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 011/34-0678, Bela Vista)
Quanto: R$ 4,00

Título: Macbeth
Autor: William Shakespeare
Tradutor e diretor: Romero de Andrade Lima
Quando: Dia 31, às 24h
Onde: Teatro Oficina

O artista Romero de Andrade Lima, 36, abre hoje uma curta temporada de "Malo", peça que fecha a trilogia religiosa iniciada com "Auto da Paixão", dois anos atrás. O novo espetáculo, agora, fala do demônio do Carnaval.
"Existe uma superstição no Nordeste', brinca Romero, que é pernambucano, sobrinho do autor Ariano Suassuna, "que diz que, quando você trata dos assuntos de Maria e Cristo, você tem que dar também o quinhão do demônio." As primeiras peças de sua trilogia trataram de Cristo e Maria.
Além de "Malo", o autor, diretor e artista plástico prepara a estréia de "Macbeth", em sua "versão nordestina" para a tragédia shakespeariana (leia trecho e texto abaixo). A seguir, trechos de entrevista com Romero de Andrade Lima.

Folha - "Malo" é a última parte da sua trilogia religiosa. A primeira foi sobre Jesus Cristo, a segunda sobre Nossa Senhora, agora esta é sobre o demônio. Como surgiu a intuição de usar os temas religiosos?
Romero de Andrade Lima - Eu não sei explicar claramente. Sei que o que sempre me fascina, na religião, é que o melhor que se produziu de arte no mundo estava ligado à religião. As pinturas, as peças de teatro. Tem algo de muito terreno na produção da arte e aí você acaba tendo uma espécie de fascínio pelo outro lado, que pode atingir outros tipos de emoção em quem assiste e quem faz.
Mas eu sempre fui fascinado pela religião, a partir da arte mais primitiva, que já começa ligada à religião. Você pega a pintura das cavernas. Já é uma comunicação do homem com algo sobrenatural. O instinto da arte acaba sendo uma comunicação com o lado superior e sobrenatural da raça humana.
Folha - O seu teatro é muito ligado ao renascimento...
Romero - É até um pouco mais antigo, na minha imaginação. Eu não especificaria o meu interesse no teatro. Eu tenho um interesse que engloba todo tipo de produção artística. Literatura, a poesia, a música, tudo me interessa, considerando que são as produções mais superiores do homem.
Agora, no teatro, o interesse é no sentido de que, na gênese dele, não há uma distinção de religião e arte. O teatro nasceu dos ritos que se praticavam, cantados, em torno de um deus. Os ritos começaram a ser codificados, passando a entrar histórias que narram a presença do deus. Se você for para o lado mais profundo da arte, não há separação entre religião e arte e teatro.
Então, meu interesse pela Renascença é consequência do ponto que me prende, que são as religiões obscuras e primitivas.
Folha - De todo modo, suas peças têm um sabor das peças jesuíticas, daquele período.
Romero - Ah, sim. Eu sou fascinado pelo que se fez de literatura no início da colonização. É muito bonito o momento em que toda aquela mente européia encontrou o paraíso virgem. Deu um nó na cabeça deles (ri) que saiu o barro brasileiro, que no fim é o estilo de arte que a gente pode reconhecer como o mais brasileiro.
Eu me lembro das peças dos jesuítas. Este "Malo" que eu estou fazendo agora, que foi uma peça escrita no Carnaval, ele brinca com esse conceito. No Nordeste, principalmente, existe uma série de coisas da atualidade que são atribuídas à influência do demônio. O Carnaval é considerado uma festa do demônio. A eletrificação de violão, que virou a guitarra, também é coisa do demônio.
Com esta peça eu faço uma brincadeira de opor as histórias tristes, apolíneas talvez, com as histórias orientais de Dionísio, que é desobediência e completa falta de respeito. É uma brincadeira. Enquanto o "Auto da Paixão" provocava uma emoção na platéia, "Malo" provoca outra. Mas é uma brincadeira séria. (ri) Em momento nenhum se chega à perda da elegância dos costumes. (ri)
Folha - É um personagem, o diabo, que está presente na peça jesuítica e nas anteriores.
Romero - É. De Gil Vicente. Tanto pelo meu gosto natural, quanto pela convivência que tive com meu tio, eu estabeleci uma relação clara e fácil entre aquela literatura, de produção medieval, com o folheto de cordel, que tem também o mesmo espírito.
Por outro lado, uma coisa que tem de fascinante, que eu admiro no teatro popular nordestino, é que existe uma forma de levar a vida na brincadeira. Até quando se chega perto da tragédia, ela tem algo de patético, que aí se torna engraçado, ou constrangedor. Eu não sei explicar direito, mas é o que eu procuro fazer em alguns momentos. No "Macbeth", agora, este é um dos esforços que a gente está fazendo.
Folha - Ainda sobre "Malo", qual é o enredo da peça?
Romero - Se você pegar a idéia do diabo, você tem uma escala que vai desde temas assustadores até coisas que são associadas com vícios entre aspas, que são aqueles naturais do homem, como luxúria e o instinto para fazer tudo que é divertimento, por si só. Eu acabei escolhendo Dionísio. Eu pego a história dele e narro o nascimento dele, na Índia. O mito é levado para a Grécia, passa pela Europa, América, desce para o Brasil e termina tendo um encontro com a Marquesa de Santos. (ri)
Folha - "Malo" é a primeira montagem externa neste novo teatro Oficina. Como aconteceu?
Romero - Zé Celso eu conheci quando ele viu um trabalho meu na Bienal e me chamou para fazer cenografia e figurino, mas acabou que eu nunca fiz. Um dia ele ligou para chamar para uma participação no "Ham-Let". A gente veio, ele agradou-se (ri) e aí convidou a gente para ocupar o circo enquanto ele está fora, no Rio. Eu chamei as meninas e a gente combinou de fazer o "Malo". Como Zé Celso é o maior celebrador da cidade, vamos fazer a história de Dionísio, que é o espetáculo de Carnaval.
Folha - Como está sendo a montagem de "Macbeth"?
Romero - Quando eu comecei a fazer, queria traduzir todo. Mas agora vou pegar os momentos não só em que a história fica contada, mas também os momentos que concentram maior emoção. Como se eu pegasse os poemas mais dramáticos. O "Macbeth", diferente das outras peças de Shakespeare, ele é um poema dramático. Ainda que tenha diálogos, ele é todo construído no pensamento. Ele tem pouquíssima ação.
Ao mesmo tempo, ele é muito científico, usa muitos termos científicos. A idéia de que a imaginação manda a ação para a mão por condutos. O tempo todo ele fala em cérebro, em veia. Em vários instantes há menção a isso. Tem horas em que Macbeth diz que só ousa fazer o que cabe a um homem e que quem fizer mais do que aquilo não é homem. É um poema sobre a condição animal e a condição espiritual. É o jogo.

Texto Anterior: VEJA AS ATRAÇÕES DAS MOSTRAS:
Próximo Texto: Se tudo que fosse feito ficasse só no que fosse feito
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.