São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 1994
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Universidade, ciência e avaliação

ROGÉRIO MENEGHINI

Para se conseguir ummínimo de eficiência épercorrido um caminho emque o sucesso é exceção
ROGÉRIO MENEGHINI
No Brasil, o grosso do conhecimento científico é produzido na universidade pública. Este esforço tem sido fundamentalmente justificado pela necessidade de formação de mestres e doutores, que na sua quase totalidade se tornam docentes da universidade pública e que, por sua vez, formam mais mestres e doutores. Aparentemente fútil, este ciclo traz, no entanto, benefícios importantes, tais como uma melhoria na qualidade do ensino de graduação. Porém, outros "spin-offs" importantes têm sido pouco significativos, como a absorção de pós-graduados no setor produtivo e a geração de conhecimentos de maior impacto, tanto do ponto de vista de ciência básica como de tecnologia.
A absorção de doutores e mestres no mercado de trabalho extra-universitário de forma mais significativa depende menos da universidade do que de um esforço concertado do governo e do setor produtivo. Porém um salto qualitativo na geração de conhecimentos seria de responsabilidade da universidade e geraria efeitos múltiplos.
Haveria um fortalecimento da nossa ciência básica, destacando-a no contexto internacional, com grande força germinadora e com evidentes reflexos positivos na nossa auto-estima. Consequentemente teríamos uma melhoria na qualificação dos egressos da pós-graduação. Se esperaria que houvesse com muito maior intensidade a transferência de conhecimentos tecnológicos relevantes para o setor produtivo, com importantes desdobramentos socioeconômicos.
Alguns indicadores de nossa produção científica são preocupantes. Apenas 3.000 de nossos 43 mil docentes pesquisadores contribuem para o corpo universal do conhecimento, através de publicações em periódicos internacionais. Nunca tivemos premiados e nem mesmo candidatos evidentes ao Prêmio Nobel.
São poucos os cientistas nacionais que fizeram contribuições seminais. Porém mais preocupante, e talvez explicativo, é o fato de que cerca da metade dos docentes com contrato para realizar pesquisas nada produziu num período recente de três anos (segundo pesquisa de Schwartzman e Balbachevsky, USP).
Ademais, um levantamento nosso indica um forte efeito de concentração, com 87% da produção científica sendo gerada por apenas 5% dos departamentos ou institutos das universidades públicas.
Como há um gasto orçamentário com estes contratos de pesquisa da ordem de US$ 2,4 bilhões anuais, tem-se um desperdício mínimo da ordem de US$ 1,2 bilhão anuais. Portanto, se é verdade que se gasta pouco em pesquisa científica no Brasil, também é verdade que se gasta mal.
Por outro lado, há uma crônica carência de recursos nas agências públicas de fomento, como CNPq, Fapesp, Finep e Capes, que alcançaram ao longo dos anos formas criteriosas de investimento em pesquisa. Seria portanto louvável a criação de algum vaso comunicante que levasse recursos desperdiçados pela universidade para os cofres destas instituições.
Dentro desse panorama há espaço para mudanças estratégicas. O crescimento da universidade pública deveria doravante obedecer a algumas premissas. Não se deveria permitir contratos de pesquisas em instituições sem condições de realizá-las.
Deveria se exigir a existência de um mínimo de lideranças científicas, de uma massa crítica de pesquisadores qualificados capazes de captar recursos, de uma infra-estrutura compatível e de um projeto acadêmico adequado. As instituições existentes deveriam aos poucos se adaptar a esse modelo, significando que unidades que não atendessem ao padrão acima não poderiam mais efetuar contratos de pesquisa.
Isto restringiria substancialmente a criação de novos centros universitários. Para se contrabalançar essa medida, poderiam se conceber instituições públicas de ensino superior com vocação primordialmente didáticas, incorporando docentes qualificados em cursos de especialização e mestrado, onde em vez de simulacro de pesquisa se programasse um ensino bem orientado e bem mais econômico.
O modelo atualmente prevalecente de criação de unidades universitárias é o de crescimento tentativo contínuo. Contrata-se um grupo de recém-egressos da graduação e inicia-se um lento e dispendioso processo de qualificação dos mesmos em centros nacionais ou estrangeiros de pós-graduação. Para se atingir um estado mínimo de eficiência percorre-se um caminho espinhoso em que o sucesso é a exceção.
Frequentemente morre-se na praia e acaba-se com um grupo de docentes qualificados exauridos pelos desestímulos e acomodados ao improdutivismo. Esta é uma das razões do forte efeito de concentração da produção científica em poucas instituições.
O modelo proposto exigiria um dispêndio momentâneo significativo na criação de uma unidade universitária, com o estabelecimento de infra-estrutura e contratação de docentes já qualificados. Porém seria mais econômico e muito mais eficiente, frente ao processo de contínua dissipação de recursos existente.
Neste novo modelo, em que se pretende um salto qualitativo, o papel da avaliação da universidade será fundamental. Ela deverá permitir um diagnóstico preciso e aprofundado, apontando falhas e embasando projetos acadêmicos que permitirão que os avaliados busquem a superação. Ela não poderá ser superficial, nem se dobrar a forças corporativistas. Acima de tudo, ela deverá ser dirigida por acadêmicos de competência reconhecida e não por avaliadores diplomados ou burocratas de plantão.

ROGÉRIO MENEGHINI, 53, é professor titular do Instituto de Química, coordenador da CPA (Comissão Permanente de Avaliação) e presidente da Cert (Comissão Especial de Regimes de Trabalho) da USP (Universidade de São Paulo).

A Folha realiza hoje, às 19h30, no auditório do jornal, o debate "A Ética da Excelência –Avaliação da Universidade", com entrada livre.

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