São Paulo, sábado, 13 de agosto de 1994
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'Rock book' traz partituras de Raul Seixas

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCUSAL DO RIO

Raul Seixas está de volta. Não ele em pessoa, claro, mas um pouco mais da vasta produção artística do cantor, compositor, poeta e ativista cultural Raul Santos Seixas (1945-1989) que chega este mês em forma de livro, editado pela Gryphus.
Trata-se de um "rock book", ou uma variação roqueira dos muitos "songbooks" que frutificam no mercado editorial. E que vem repleto de preciosidades retiradas do legendário "baú do Raul".
O tal baú era um baú mesmo, onde Seixas guardava literalmente tudo que considerasse importante. "Tinha lá até o primeiro chiclete que ele mascou", diz Kika Seixas, que viveu com o autor de "Metamorfose Ambulante" e "Ouro de Tolo" entre 1979 e 1985. Como se sabe, para quem foi roqueiro desde criancinha, o primeiro chiclete é fundamental...
Público jovem
A primeira leva de material saído do baú já rendeu um livro, que se encontra na 20ª edição. Agora, segundo Kika, responsável convicta pela difusão da obra de Seixas, a intenção é tornar o que ele compôs, cantou e disse acessível ao mais jovens.
"O Raul é o caso de artista cujo público cresceu depois da morte. Ele tem fãs de 14, 20 anos. Quero que estas pessoas saibam quem foi ele, conheçam sua cara".
Para que isso ocorra, o livro traz 30 fotos inéditas do cantor/compositor, apresentadas de maneira cronológica, desde o começo da carreira, em 64, até a morte, em 89.
Na mesma sequência, surgem as letras das músicas (com a partitura e cifras para violão), textos escritos por Raul e diversas entrevistas concedidas por ele ao longo de sua polêmica trajetória.
Polêmica porque Seixas sempre integrou o coro dos inconformados e se aliou aos irreverentes. Do rock, de quem foi defensor intransigente, fez seu meio para detonar todos os comodismos. Mas acreditava firmemente que tinha de ocupar espaços.
"Eu me utilizo de todos os meios da sociedade de consumo, penetro no sistema, mas como um veneno", disse ele em um de seus textos, escolhido para o livro.
Autodefinido como "maluco beleza" –expressão tirada da letra de Cláudio Roberto para uma de suas canções mais famosas e que procura demonstrar a possibilidade de convivência entre a lucidez e a loucura–, Seixas causou muito barulho quando deu de inventar sua "Sociedade Alternativa". Veja o que diz a respeito texto dele sobre a idéia:
"Geralmente a humanidade costuma olhar o presente através de um espelho retrovisor. Isto significa dizer que ela só percebe o presente quando ele já é passado. A Sociedade Alternativa é a realidade do momento presente vivida no momento presente (...) A Sociedade Alternativa tem um objetivo básico: ser feliz fazendo o que deseja fazer".
Visionário, doido de pedra ou filósofo pé-de-chinelo? A escolha é multipla, mas uma coisa é certa: Raul Seixas fez o que pôde para deixar a marca de sua passagem pela terra.
Passagem que, além de sociedades revolucionárias, muitas letras (o livro traz uma inédita, de 1982, que será gravada pelo Barão Vermelho), também teve encontros com John Lennon, porres monstruosos, mendicância por Nova York e parcerias com o "mago" Paulo Coelho, autor do prefácio do livro, que será lançado num grande evento musical nos dias 19 e 20 próximos no Rio.
Cinco anos
Dia 21 de agosto, data do quinto aniversário da morte de Raul Seixas, o livro chega às livrarias.
As iniciativas de Kika Seixas para preservar o trabalho de seu companheiro não se restringirão ao livro. Devem continuar.
O próximo passo será a prensagem de um disco contendo 18 canções gravadas ao vivo durante um show em Brasília.
"Foi um show incrível, em que o Raul cantou todas as músicas do começo ao fim, o que não costumava fazer. Cantou até 'Gita', o que nunca tinha feito ao vivo.". Sobre "Gita", um de seus maiores sucessos, Raul Seixas diz: "Foi composta numa noite cheia de estrelas no interior da Bahia. Paulo (Coelho) e eu estávamos tentando descobrir uma forma de nos comunicarmos com as plantas. Como somos verbalóides, o começo foi o verbo. 'Eu sou...' –e por aí foi."
O material apresenta problemas de qualidade típicos de gravações ao vivo feitas no Brasil. Mas, segundo Kika, certamente se transformará em peça de colecionador.
Outro produto que Kika está elaborando é um vídeo reunindo imagens de shows, da vida pessoal e até mesmo pedaços de filmes super-8 reslizados pelo próprio Raul Seixas.
O vídeo terá imagens de Seixas atuando em pequenas cenas. "Na verdade, diz Kika , ele se considerava um bom ator. Dizia: 'eu finjo que sou cantor e compositor e todo mundo acredita...' "

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