São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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Código Penal moderno faz falta ao Brasil

WALTER CENEVIVA

Tenho insistido na tecla de que o Brasil não precisa de leis penais draconianas. Precisa de que sejam cumpridas as existentes. Isso não significa que inexistam leis a serem melhoradas, especialmente no que refere à dosagem das penas, que, no passado, foram mais severas para delitos contra o patrimônio. As discordâncias sobre a dosagem em relação à gravidade dos delitos são infindáveis.
O estupro é o mais grave dos crimes, diz uma advogada, pois embora possa não provocar danos físicos na vítima, causa forte abalo moral na mulher honesta, marcando-a por toda a vida. Pior ainda se acompanhado de violência física. Se causa gravidez. Trata-se de situações tão sérias que justificam a inclusão do delito na categoria dos hediondos.
Objeta-me outra pessoa (ouvida em pesquisa informal), que mais hediondo é o sequestro. Principalmente quando a vítima é menor de idade. Além do dano psíquico que abala o atingido –diz-se que a sensação de insegurança não o abandona pelo resto da vida– há angústias e incertezas da família e dos amigos. Isso tudo sem falar dos males que atingem toda a sociedade, na medida em que espalha o temor, a incerteza e a convicção da ameaça existente sobre quem quer que tenha algum destaque em seu grupo social. As pessoas ricas ou que parecem ricas, homens e mulheres, são mais visadas. As notícias de resgates milionários incentivam o delito.
Há outros crimes em que a vítima ou o delinquente são sujeitos específicos. Na sedução e no estupro só a mulher é vítima. Na revelação de sigilo profissional apenas os exercentes de certas profissões podem ser autores do crime.
Quer se examine a questão na pluralidade de situações inerentes à criminalidade e sua punição, quer se dê predominância aos efeitos sobre a vítima e o interesse coletivo, a dosagem e a espécie das punições são controvertidas. Todavia, todas as alternativas são unidas por um traço comum e atual: o da necessidade de se reexaminar o Código Penal Brasileiro, cuja parte especial define delitos quase que com as mesmas palavras de mais de 50 anos, quando foi editado. Não está de acordo com as condições de vida dominantes neste fim de milênio, embora a parte geral tenha sido mudada há 5 anos.
O Código espelhava os temores sociais daquele tempo, especialmente os relacionados com o patrimônio e carece de ajuste à nova realidade, até para consolidar uma infinda pluralidade de leis esparsas, editadas em meio século. Muitas leis especiais criaram novos crimes. Os delitos fiscais e contra o consumidor estão em moda, mas não integram a consciência da sociedade como um todo, encarados com a benevolência dos crimes de colarinho branco. Não causam tanta revolta quanto delitos contra a pessoa, ainda que provoquem gravíssimos danos sociais.
Perpassa pelas informações controvertidas, pelo menos uma certeza: carecemos de um Código Penal moderno, que reformule a dosagem das penas, que exclua certos crimes (o adultério, por exemplo), que inclua outros, gerados por comportamentos culturais e sociais que não existiam na primeira metade do século, como acontece, por exemplo, com o contágio de doenças sexualmente transmitidas, mas não venéreas, com a informática, a destruição da natureza, as experiências com seres humanos. A tarefa de modernização deve ser do interesse de todos. Acompanhada por todos.

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