São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 1994
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Afinal, quais são as âncoras do real?

LUIZ FERNANDO RODRIGUES DE PAULA ; JOÃO SICSÚ

Em meados de 1993, ainda na fase de elaboração do Plano Real, os principais assessores do então ministro Fernando Henrique Cardoso afirmavam que o plano de estabilização teria dois pilares.
As contas públicas deveriam ser equilibradas e a nova moeda nacional deveria ser ancorada em uma moeda forte, estável. As duas primeiras fases do plano foram coerentes com os objetivos originais.
A primeira etapa estabeleceu uma série de medidas no campo fiscal. A fase intermediária foi um período pré-operatório, em que buscou-se simular uma dolarização da economia utilizando o artifício da URV.
Na terceira fase, haveria um verdadeiro transplante monetário, com a introdução de uma nova moeda –com as propriedades de estabilidade do dólar– no lugar da moeda fraca, agonizante, o cruzeiro real.
Esperava-se, assim, que a terceira etapa criasse uma moeda com paridade fixa em relação ao dólar. O real seria lastreado nas reservas internacionais de tal forma que sua emissão (quase que) não dependeria de decisões governamentais discricionárias.
Muito se tem escrito sobre a fase atual do real. Infelizmente, pouco se tem discutido a respeito da natureza das âncoras implementadas e se as medidas adotadas foram ou não coerentes com a concepção original do plano.
A MP 542, de 30 de junho, implementou um novo regime cambial-monetário. Estabeleceu-se que o real terá uma paridade estável em relação ao dólar e será lastreado em parte das reservas internacionais. Instituiu-se, ainda, regras de expansão monetária para os próximos nove meses.
Como já destacamos, esperava-se, para a terceira fase do plano, a adoção efetiva de uma âncora cambial. A MP 542 contrariou as expectativas. O câmbio não está fixo e o lastro do real é somente um elemento de ação psicológica.
Ademais, a conversibilidade plena, defendida por alguns economistas, foi desde a segunda etapa do plano descartada pela equipe governamental.
Na prática, o governo adotou um sistema de bandas com um limite superior de um real para o preço de compra do dólar. Com este instrumento é muito difícil transferir à moeda nacional a confiança depositada pelo público na moeda estrangeira. O lançamento de uma âncora cambial exigiria o estabelecimento de uma paridade fixa entre o real e o dólar, ou seja, uma taxa de câmbio única. A âncora cambial do Plano Real é, portanto, falsa, inexistente!
A verdadeira âncora do real seria a princípio as regras monetárias pré-anunciadas. As metas monetárias revelam o quanto o governo pretende emitir de modo a regular a liquidez da economia a um nível que considera adequado para um ambiente de estabilização.
O problema desta âncora é que não se pode prever qual o estoque de moeda que será necessário para a economia operar com reduzidas taxas de inflação, em que haverá obrigatoriamente maior demanda por moeda.
Deste modo, dado que não se sabe qual será o grau e a intensidade da remonetização da economia, os números que foram fixados para expansão monetária são necessariamente aleatórios.
Se as metas monetárias forem excessivamente apertadas, a falta de liquidez no mercado levará a taxa de juros às alturas, com efeitos amplamente recessivos. No caso de se mostrarem frouxas, as metas cairão no descrédito.
Na ausência de âncoras efetivas, o sucesso do Plano Real passa a depender da força política do governo para conduzir a economia e da espontaneidade do público em formar expectativas favoráveis duradouras.
Portanto, depende diretamente da capacidade do governo de organizar suas finanças e de controlar os canais privados de introdução de liquidez na economia, eliminando, em particular, o mecanismo de zeragem automática de mercado. E, também, que brote simultaneamente no público uma confiança espontânea na nova moeda.
Este artigo resume algumas idéias desenvolvidas pelos autores no Documento Giepe nº 2 –"Perspectivas do Plano Real", elaborado pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos Políticos e Econômicos (Giepe) do Conjunto Universitário Candido Mendes, do Rio de Janeiro.

LUIZ FERNANDO RODRIGUES DE PAULA, 34, economista, é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Giepe (Grupo Interdisciplinar de Estudos Políticos e Econômicos).
JOÃO SICSÚ, 34, economista, é professor do Conjunto Universitário Candido Mendes e pesquisador do Giepe.

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