São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 1994
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O ônus do horário eleitoral gratuito

LUIZ EDUARDO BORGERTH

Não podemos deixar de externar nossa indignação diante do artigo intitulado "Horário nada gratuito", cujo autor, dispondo da hospitalidade da Folha, deveria ao menos ter lido o decreto regulamentador da matéria sobre a qual pontificou, para não ter falsificado, de maneira tão torpe quanto absurda, o sistema de ressarcimento fiscal estabelecido por lei para as emissoras de rádio e televisão que transmitem o horário eleitoral obrigatório.
É óbvio que o ressarcimento fiscal, nos termos do decreto nº 736 de 28 de janeiro de 1993 e dos anteriores, não remunera ou credita a hora utilizada pelos partidos, como afirmou o articulista.
Nos termos do decreto, e desde que foi instituído, o ressarcimento corresponde apenas a 80% de 25% de cada hora utilizada, ou seja, 12 minutos por hora, através de desconto, desta importância, do Imposto de Renda a pagar, e somente deste imposto. É estarrecedor que alguém escreva, ou melhor, pontifique sobre uma matéria com um erro numérico na ordem de 88%.
Não satisfeito com esta informação totalmente falsa, ao contrário do que afirma a matéria, apenas as empresas com Imposto de Renda a pagar são ressarcidas por esta cessão gratuita obrigatória imposta a todos, tenham ou não imposto a pagar. Assim, a grande maioria das 2.600 rádios e 250 televisões suportam incalculável prejuízo, sem possibilidades do ressarcimento estabelecido em lei.
O mais importante entretanto, mais importante do que o erro crasso ou a má-fé (não ensinam a ler a lei em Harvard mas ensinam, ou deveriam, ensinar democracia) é tentar caracterizar o horário eleitoral como sendo um tributo a ser pago pela radiodifusão brasileira, uma vez que é chamado (pelo autor) de gratuito.
Qualquer pessoa racional, quanto mais um pós-graduado em Harvard, deveria intuir que o "gratuito", apelido popularmente atribuído ao horário eleitoral, há de ser gratuito para os partidos políticos e não para as emissoras.
A idéia, por trás do horário, seria a de possibilitar aos candidatos a cargos eletivos, independentemente de suas disponibilidades econômicas, chegar gratuitamente ao grande público radiofônico e televisivo. A cessão de uma hora em horário nobre e outra em horário menos nobre jamais poderia ser gratuita para as emissoras, com ou sem ressarcimento, como não seria gratuito para as companhias aéreas cederem 20% ou 30% de seus assentos aos candidatos.
Representam enorme e injustificado ônus para todas as empresas, inclusive para aquelas que alcançam o desconto. Todas, de bom grado, estão dispostas a abandonar o horário eleitoral, adotando o sistema norte-americano, por exemplo, segundo o qual ninguém, nem o presidente da República, tem acesso gratuito aos meios de comunicação, como deve ser, e é na maioria, num regime democrático.
O horário é, portanto, gratuito sim. O desejo do autor de fazer do horário eleitoral, além de gratuito para os candidatos, oneroso para as empresas que o concedem, deve encontrar explicação na psicologia, senão na psicopatologia.
A idéia de que a comunicação social é uma benesse do Estado, sempre à sua sacrossanta disposição, são idéias que voltaram com a ditadura militar brasileira que instituiu o horário eleitoral obrigatório. Como muitas outras idéias fascistas implantadas pela ditadura, o horário eleitoral gratuito continuará a ter defensores em inúmeras áreas, sempre entre os inimigos da liberdade de imprensa, que se expressam atacando a radiodifusão.
Felizmente, reimplantada a democracia, a maioria parlamentar entendeu que não devia ser assim e que o custo da educação política através do horário eleitoral, atinja ou não seus objetivos, deveria ser custeado por toda a sociedade. Falta estabelecer alguma compensação às empresas que não tenham Imposto de Renda a pagar.

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