São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A nova Faria Lima

PAULUS MAGNUS P. LEITE

O Brasil sempre foi um país muito generoso com os arquitetos. Sempre houve aqui oportunidades impressionantes (Brasília!). Em poucos lugares atuou-se com tanta liberdade e com tanta extensão frente a um consumo tão desprovido de preconceito e crítica.
Mais uma vez, com a nova Faria Lima, cabe ao arquiteto influenciar na qualidade da vida urbana através de um projeto. O saldo dessa responsabilidade, porém, tem configurado essa desconexa malha urbana onde os paulistanos vivem.
Um projeto urbanístico é basicamente um projeto de relacionamento. O seu sucesso depende unicamente de seu acerto em renovar o fluxo e criar vida urbana, relacionando-se com a cidade, às vezes superando-a. O melhor projeto não tem começo e fim –é meio, continuação, desenvolvimento, ascendência em relação à cidade.
Um bom exemplo é o plano Hausmann, que reurbanizou Paris na metade do século passado, um projeto de talento técnico e contextual. Hoje somos gratos por ver esta Paris.
Um mau exemplo é a avenida Engenheiro Luis Carlos Berrini, que, a despeito de sua formidável localização no eixo centro-Morumbi, traduz-se num frio corredor de esculturas arquitetônicas.
Prova disto são os térreos ocupados por enjaulados porteiros, dentro de seus microaquários de escala minguante. Ocupam os lugares de cafés, restaurantes, bancos e galerias, que deveriam ocupar o chão da cidade, urbanizando o espaço e gerando riqueza econômica e cultural, para que quem trabalhe na região possa transitar em uma avenida que lhe ofereça almoço, distração e cultura. Não sendo assim, a tensão com a cidade torna-se insípida.
Então, fica claro que um projeto de urbanismo vale por seu efeito na qualidade de vida urbana, e não por seus atributos estéticos.
Assim, pouco vale conhecermos o desenho proposto para a nova Faria Lima, que por si não oferece nada além de representações estáticas de alinhamentos viários. Teríamos sim de conhecer o caráter deste projeto, para apoiá-lo como cidadãos e eleitores.
Ao entusiasmo do prefeito Paulo Maluf na viabilização de grandes obras, mando duas lembranças:
1) A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, supostamente centro da cultura da arquitetura, não tem o dever de servir à comunidade que a sustenta, debatendo uma intervenção como essa?
2) Para uma próxima grande obra, faça como o presidente François Mitterrand: promova um grande concurso. É tiro certo para atrair os profissionais e, politicamente, muito correto.

PAULUS MAGNUS PEREIRA LEITE, 30, arquiteto, é autor do projeto da nova gráfica da Folha.

Texto Anterior: Pernambuco 1; Pernambuco 2; Paraíba 1; Paraíba 2; Paraíba 3; Paraíba 4; Paraíba 5; Rio Grande do Norte
Próximo Texto: Tiroteio entre traficantes mata 3 no Rio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.