São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 1994
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Geraldo de Barros fotografa a luz que ofusca

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1952, um jornal brasileiro perguntava em manchete de alto de página: "Poderá haver fotografia abstrata?". A resposta era "sim", segundo Geraldo de Barros, cuja obra fotográfica pode ser vista até 25 de setembro, no Museu da Imagem e do Som.
A pergunta pode parecer hoje, 42 anos depois, fruto de provincianismo, academicismo e atraso cultural de um país de periferia diante dos modernismos, mas continua de uma grande pertinência.
O crítico francês André Bazin deixou claro, em 1958, que não existe fotografia abstrata. Mesmo a mais abstrata das fotografias é sempre um registro ótico. Mesmo a fotografia de formas irreconhecíveis continua sendo um registro ótico de alguma coisa. A foto de um microorganismo, por exemplo, será sempre o retrato de um microorganismo.
Boa parte das fotografias de Geraldo de Barros realizadas entre 46 e 51 e expostas agora no MIS –sobretudo as chamadas "fotoformas", que já tinham sido apresentadas em 51, no Masp– tentam escapar desesperadamente a essa ontologia da imagem fotográfica a que se referia Bazin.
São imagens que tentam submeter a fotografia a uma perspectiva pictórica e reduzi-la a formas. Poderia haver talvez um aspecto trágico nessa rebeldia do pintor contra uma sina da fotografia, querendo inutilmente libertá-la do que ela é. Mas não há.
A experiência de criar uma fotografia abstrata, que na época pode ter parecido uma atitude inovadora, hoje tornou-se datada e resta mais como fruto de uma vontade, muito paulista, de modernizar, de introduzir no país, atrasado, o que anos antes vinha sendo feito lá fora. Não é por essas fotos que Geraldo de Barros é um grande fotógrafo; não é por causa delas que esta é uma das mais belas exposições fotográficas já apresentadas em São Paulo nos últimos anos.
O problema da experiência puramente formal e "modernizadora" é que, tentando banir inutilmente toda dimensão ontológica da fotografia, ela revela muito da ingenuidade do projeto. Ao contrário, os auto-retratos de Geraldo de Barros, entre outras imagens na exposição, são verdadeiras obras-primas, incorporando uma profunda dimensão dramática.
As fotos de Geraldo de Barros oscilam entre duas vontades aparentemente contraditórias: parecem querer ver algo que não está nas coisas (as fotoformas, por exemplo) e, por outro lado, estão obcecadas com a luz que, em vez de clarear, ofusca, esconde, impossibilita a visão –como o magnífico auto-retrato com o facho de luz sobre os olhos do autor.
É esse conflito com a luz, uma luz que ofusca a visão, essa estranha concepção da visão como impossibilidade de ver, que garante ao trabalho fotográfico de Geraldo de Barros a originalidade de um verdadeiro artista –e não apenas uma inovação formal.

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