São Paulo, sábado, 20 de agosto de 1994
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Igreja e política

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Não é raro, nestas últimas semanas, principalmente em programas de rádio e televisão, que alguém pergunte qual a posição da Igreja sobre política e eleições. Alguns insistem em lembrar que a Igreja deveria se voltar para temas espirituais e não se imiscuir em política. Outros, pelo contrário, gostariam de pronunciamentos frequentes e até de tomadas de posição partidária. Há alguns esclarecimentos indispensáveis.
1) A Igreja compete continuar a missão do próprio Jesus Cristo, anunciando a misericórdia de Deus que nos salva do pecado e da morte e ensinando-nos a amar uns aos outros como ele nos ama. É, portanto, missão que atinge o profundo da pessoa humana, levando à conversão do pecado e à construção do reino de Deus. Este reino inclui a justiça, a concórdia social e a solidariedade fraterna, como um sinal nesta terra da vida plena que Jesus Cristo nos promete.
2) A política voltada para promoção do bem comum pertence à missão da Igreja, como decorrência de seu amor e zelo pela pessoa humana. Entende-se, assim, a afirmação do papa João Paulo 2º: "O ministério da salvação é serviço do homem –pessoa e sociedade– às suas necessidades espirituais e temporais, aos seus direitos fundamentais, à sua convivência humana e civil". E o santo padre acrescenta: "Por isso mesmo faz parte da missão da Igreja preocupar-se, de certo modo, das questões que envolvem o homem, do berço ao túmulo, como são as sociais e sóciopolíticas" ("Mensagem aos Bispos do Brasil", nº 2, 9/04/86).
3) O modo da Igreja interessar-se por essas questões é o que hoje identificamos como aspecto ético, isto é, o respeito e coerência em relação à dignidade da pessoa humana. À igreja, como instituição, não cabe indicar soluções técnicas para os problemas temporais, mas formar a consciência e iluminar a busca destas soluções, à luz da fé.
Assim, a Igreja não tem partido nem candidatos, mas possui princípios éticos e valores que não podem faltar à ordem social e política. Entre eles, lembramos o respeito à vida humana desde o momento da concepção, o valor do matrimônio e da família, o amor universal que exclui toda discriminação, o direito ao trabalho e a condições dignas de vida e outros.
4) Há uma nítida distinção entre a função dos pastores e o que é próprio dos leigos. A estes compete a militância política, com livre escolha partidária, procurando os melhores meios de promover o bem da sociedade.
5) Quanto à campanha dos presidenciáveis, percebe-se um esforço maior para evitar agressões pessoais e em apresentar propostas e programas.
O tempo de eleição poderá tornar-se, assim, um período de amadurecimento democrático e contribuir a fim de que a inteira sociedade com responsabilidade consiga discernir os problemas, organizar-se e empenhar-se na solução.
Este espírito de participação deveria, após as eleições, inspirar ao futuro presidente a capacidade de reconhecer valores e unir pessoas, tendo unicamente em vista o bem do povo, acima das diferenças partidárias. Por que não aplicar à composição do governo o mesmo princípio que permitiu, com jogadores de vários times, esquecer rivalidades e compor a seleção vencedora do tetra?
D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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