São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Golpe militar levou Vargas ao suicídio

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

Getúlio Vargas matou-se com um tiro por volta das 8h20 de 24 de agosto de 1954 em seu quarto do Palácio do Catete, residência do presidente, no Rio. Naquela manhã, havia trincheiras guarnecidas por sacos de areia em torno do edifício, protegido por funcionários armados de metralhadoras.
Ninguém disparou tiro algum. Entre seis e oito horas da manhã, Vargas decidira definitivamente não resistir ao golpe que o estava depondo e que na verdade fôra pregado publicamente desde o início de sua campanha eleitoral para presidente, em 1950.
Uma outra morte, a do major-aviador Rubens Florentino Vaz, planejada pela guarda de Vargas, apenas precipitara a conspiração civil e militar contra seu governo, em curso desde meados de 1954.
Vaz foi assassinado no dia cinco de agosto, no atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, dono da "Tribuna da Imprensa" e o crítico mais violento de Vargas, que o considerava seu "inimigo número um". Dois dias depois, era confirmado que a guarda pessoal do presidente havia planejado o crime.
O atentado detonou a trama final entre civis e militares para derrubar Vargas. O governo, no entanto, estava isolado desde maio, quando foi decretado o aumento de 100% do salário-mínimo.
A crise foi resumida em 1983 por Tancredo Neves, o último ministro da Justiça de Vargas. "A campanha do salário-mínimo deixara ressentimentos profundos. A contenção da remessa de lucros, a criação da Petrobrás, da Eletrobrás, tudo isso fez com que a burguesia nacional, parte dela a serviço do capital estrangeiro, tomasse também uma posição muito forte contra Vargas".
O aumento do mínimo também trouxe complicações com os militares, que em sua maioria já manifestavam seu afastamento do nacionalismo governista desde as eleições de 54 para o Clube Militar. A associação de oficiais era um termômetro da fidelidade do Exército, fiel da balança dos governos brasileiros, de 30 a 85.
Em fevereiro, um manifesto assinado por coronéis reclamava da falta de recursos no Exército e do fato de que o aumento do mínimo faria um trabalhador não qualificado ganhar tanto quanto alguém com formação universitária e o mesmo que um segundo-tenente.
Vargas é acusado em março de tramar com o presidente argentino Juan Domigo Perón e com o Chile um pacto anti-americano e pela instauração de "repúblicas sindicalistas" no cone sul. A União Democrática Nacional, partido de oposição, a princípio sugere um golpe contra o governo. Em maio, pede processo de impeachment contra Vargas, negado em junho.
Numa análise da conjuntura política do mês de maio, a UDN diz que Vargas "prepara a luta de classes". "A revolução está sendo dirigida pelo Catete".
A partir de meados de 1954, Lacerda, o brigadeiro Eduardo Gomes (candidato udenista a presidência em 45 e 50) e seus seguidores, oficiais da Aeronáutica, fazem campanha aberta e conspiram contra Vargas, que, informado do que ocorre, não reage.
Lacerda, por sua vez, pregara o golpe antes mesmo de Vargas oficializar a candidatura, em junho de 1950. Em sua "Tribuna da Imprensa", escreveu que Vargas não devia ser candidato. Candidato, não devia ser eleito. Eleito, não devia tomar posse. Empossado, devia ser derrubado. Em resposta, Vargas previu na Folha, que não terminaria seu mandato e sairia morto do governo. Lacerda voltaria a pedir o golpe em 1952, em 53 e durante todo o 1954.
Além de pedir a queda do governo pela "Tribuna", lidera o Clube da Lanterna e a Aliança Contra o Roubo e o Golpe, associações de oposicionistas, militares e candidatos udenistas às eleições parlamentares de outubro de 1954. Articula apoio militar entre oficiais da Aeronáutica da base do Galeão, fiéis a Eduardo Gomes.
Últimos dias
Entre 9 e 13 de agosto, deputados udenistas pedem a renúncia de Vargas. O presidente diz que só sai morto do Catete. O vice, Café Filho, articula com Lacerda a renúnca dele e de Vargas desde o dia 11. A oficialidade da Aeronáutica assumira a investigação da morte de Vaz no dia 12 –era a "República do Galeão".
Com a prisão dos envolvidos no atentado, descobre-se que Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas, planejara o crime. Documentos levados do Catete revelam o envolvimento de Fortunato com suborno e favorecimentos a políticos e empresários.
No dia 22, Vargas está praticamente deposto. Daí até a madrugada do golpe, sucederiam-se manifestos de Café Filho e oficiais-generais da Aeronáutica, Marinha e Exército, pedindo a renúncia.
À meia-noite do dia 23, Zenóbio e Mascarenhas levam ao Catete a informação de que o Exército já não apóia o governo. Vargas recusa tanto a hipótese de renúncia como a de licença e diz que vai reunir o ministério na madrugada. Chama João Goulart e lhe entrega a "carta-testamento".
Às 3h30 do dia 24, Vargas reúne-se com parentes e seus ministros, entre eles Tancredo Neves (Justiça), Oswaldo Aranha (Fazenda) e Zenóbio da Costa, ministro da Guerra, então leal ao governo.
Vargas pede uma fórmula para resolver a crise. Zenóbio sugere resistência, mas observa que isso "custaria sangue, muito sangue" e o resultado seria incerto.
Vargas enfim decide se licenciar "desde que mantida a Constituição e a ordem". Caso contrário, "os revoltosos encontrariam seu cadáver". Às 4h45 sai o comunicado oficial do pedido de licença. No apartamento de Café Filho, Lacerda e outros políticos cumprimentam o novo presidente.
Às 6h chega a notícia de que Benjamin Vargas, irmão do presidente, fôra intimado para depor no Galeão. Logo depois, Alzira Vargas diz ao pai que está em contato com generais leais, que pretendiam prender os conspiradores Juarez Távora e Eduardo Gomes. Vargas diz que agora a resistência é inútil. Nesse momento, Zenóbio, reunido com os militares revoltosos, adere ao golpe. O presidente é informado às 7h do golpe e se mata depois das 8h.

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