São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Delinquência eleitoral

JÂNIO DE FREITAS

O crime eleitoral entrou na disputa pela Presidência, com a reprodução de métodos sórdidos utilizados em 89 por Collor e seus 40 sequazes contra Lula da Silva. A entrevista do diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Gustavo Franco, atribuindo a Lula o propósito de dar "um calote em todo mundo que tem dinheiro nos fundões, em cadernetas de poupança ou tenha FGTS", é a reprodução literal da acusação feita por Collor às vésperas do segundo turno de 89 e do calote que ele próprio cometeu já no seu primeiro dia de presidente.
Se o texto da entrevista não implicasse, por si só, crime eleitoral do infanto-juvenil diretor do BC e do comitê central de Fernando Henrique, Gustavo Franco e o mesmo comitê assim o caracterizaram logo na decorrência imediata da entrevista.
Elaborada pela suposta agência Free Press (um serviço criado no comitê para plantar notícias nos meios de comunicação, fazendo-se passar por agência de notícias), cujas criações eleitoreiras são distribuídas pela "Agência Estado" (apesar do nome, não é oficial, é do jornal "O Estado de S. Paulo"), a entrevista motivou uma corrida de repórteres ao BC, escandalizadas que ficaram as redações com o novo collorismo que as invadia na tarde de sexta-feira.
Desencadeou-se no BC uma dupla operação. Enquanto o presidente do banco, Pedro Malan, tentava que os jornais surripiassem o fato aos leitores, o imberbe Franco preparava uma pequena nota, só concluída e distribuída à noite, em que não nega as declarações, mas nega que as tivesse dado como entrevista. Faz o "repúdio, veementemente", da "iniciativa da divulgação da matéria (...) pelo comitê de Fernando Henrique Cardoso". Talvez nem o soubesse, mas, livrando-se da bomba que criara, estava apontando uma prática identificável como criminosa: uma entrevista forjada. E, ainda por cima, com teor acusatoriamente grave e destinado a influir enganosamente na consciência do eleitor.
Não foi o primeiro crime originado no henriquismo. Na Folha de quarta-feira, Clóvis Rossi escrevia sobre volantes que circulavam em uma reunião eleitoral de professores e socialites henriquistas. Estes volantes são fichas falsas de inscrição no PT de integrantes do 'comando vermelho', assaltantes e criminosos vários. Pelos que faziam circular os volantes e pelas características das suas remessas pelo correio sempre com procedência de São Paulo, vê-se que a instrução universitária e a boa condição econômica não conferem decência à participação política. Por ordem da Justiça Eleitoral, a Polícia Federal deve investigar a origem dos volantes, mas a própria origem faz crer que a investigação, ou não se fará, ou dará em nada.
Curioso, nisso tudo, é que Fernando Henrique, o comando de sua campanha e os militantes do henriquismo não se dêem conta de algo para eles importante: se a ordinarice prevalecer na disputa, nenhum dos candidatos correrá mais perigo do que Fernando Henrique. E olha que Orestes Quércia é um deles.

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