São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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O país do patrocínio

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

A nova mania nacional chama-se patrocínio. De viagem de bicicleta a time de vôlei, passando por peça de teatro, retrospectiva, instalação, campeonato de palito, excursão ao Himalaia, curta-metragem, disco independente, torneio de botão, livro infantil e vídeo de índio –tudo no Brasil gira em torno do patrocínio.
–"E então, como vai seu projeto?", pergunto ao amigo artista.
–"Está indo bem", responde. "Já consegui o lugar, já acertei as datas, agora só falta o patrocínio".
Um mês depois, nos reencontramos e logo vejo que teve sorte: sorridente, vem em minha direção equilibrando na cabeça um estridente boné vermelho, com a marca de um lubrificante na testa.
–"Consegui o patrocínio."
Noto que entre os múltiplos efeitos da expansão do patrocínio destaca-se, a olho nu, o recrudescimento da produção e do uso de bonés. "Não existe patrocínio sem boné" –aforismo brasileiro.
O fato é que a corrida em busca do "sponsor" está chegando entre nós a um grau de sofisticação inimaginável. Soube de um caso –um "case" seria mais adequado– que comprova essa capacidade de o brasileiro improvisar em cima de suas renovadas dificuldades.
Um rapaz, usuário frequente de táxi, decidiu arrumar um patrocínio para suas viagens. Confeccionou um belo projeto em Macintosh (sem um belo projeto em Macintosh não se consegue patrocínio), com gráficos sobre seus percursos diários, cálculos de pessoas pelas quais passaria e especificação da renda média das regiões que atravessaria.
Partiu então, como se diz, para "o mercado". Passou por uma centena de porteiros, ascensoristas e secretárias, uma dúzia de diretores de marketing e, last, but not least, por pelo menos dez publicitários geniais.
Pois bem. Conseguiu financiar em 70% suas corridas. Comprometeu-se, durante os percursos, a afixar nos vidros do veículo um adesivo (há de vários tamanhos e cores) com os dizeres: "A empresa tal patrocina esta viagem". E, claro, com destaque, a logomarca da dita. O motorista fica com 30% da verba. Não é o máximo?
Um amigo suíço, que tem projetos no Brasil, não acha. Segundo o calvinista, essa história de produtores de cultura serem constrangidos a percorrer de chapéu na mão agências de publicidade e departamentos de marketing revela não apenas a capitulação diante de um Estado perdulário e ineficiente, como um desvario neoliberal de periferia.
Mas ele mesmo desencanou. Depois de passar, em branco, por museus e órgãos estatais, já deu um trato no seu "book" e está pronto para enfrentar "o mercado". Mandou até fazer um boné com a marca de uma multinacional suíça –empresa cujo nome não declino porque ainda não saiu o patrocínio.

Ilustração: "Four Campbell's Soup Cans", 1965, de Andy Warhol

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