São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 1994
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Gal traz a SP sua provocação confortável

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

Show: O Sorriso do Gato de Alice
Intérprete: Gal Costa
Direção: Gerald Thomas
Regência: Jacques Morelenbaum
Músicos: Jacques Morelenbaum (celo), Paulo Calasans (teclado), Pedro Ivo (baixo), Luís Brasil (violão), Jurim Moreira (bateria), Armando Marçal e Sidinho Moreira (percussão), Marcelo Martins (sax), Paulo William (trombone), Bidinho (trompete)
Quando: estréia hoje, às 21h30; sexta e sábado, às 22h; domingo, às 20h
Onde: Palace (al. Jamanari, 215, tel. 531-4900, Moema, zona sul de São Paulo)
Ingresso: de R$ 15 a R$ 40

Provocador e confortável. O novo show que Gal Costa estréia hoje em São Paulo é, segundo ela, essas duas coisas. Provocador porque ela, tropicalista, mostra os seios, que deixaram espantado o público praiano carioca. Confortável porque veste um pijama de seda e é como se estivesse em casa.
Gal está cheia de si e de razão. "O Sorriso do Gato de Alice" é, segundo ela, não apenas seu melhor espetáculo, mas um novo padrão para o "showbiz" brasileiro. Ela mantém em São Paulo exatamente o mesmo show que apresentou no Rio. Ainda que a direção assinada por Gerald Thomas tenha recebido duras críticas da imprensa carioca.
No próximo dia 26 de setembro, Gal faz 49 anos e está se sentindo uma deusa. "Estou com um corpo lindo", diz. Deusa que quer cantar em reverência a Deus.

Folha - Você acha que o público de São Paulo vai reagir ao show como o do Rio?
Gal Costa - As críticas de São Paulo na época em que o show estreou no Rio foram muito mais sérias. São Paulo entendeu o espetáculo melhor. E eu acho que esse show é mais a cara de São Paulo, porque tem a qualidade e a sofisticação dos espetáculos de Primeiro Mundo. Luz muito bonita, cenografia sofisticada, repertório lindo, arranjos belíssimos.
É um espetáculo mais cosmopolita, e São Paulo tem essa cara. Tem um ar de seriedade. A idéia era estrear o espetáculo aqui, mas perdemos a data.
Na minha opinião é meu melhor show. Me sinto inteiramente à vontade. Tudo o que a crítica falou, que a direção me oprimia, não é verdade.
Folha - O que te levou a escolher o Gerald Thomas para dirigir o show?
Gal - Eu escolhi o Gerald Thomas porque queria uma atmosfera nova no meu trabalho e porque queria fugir ao padrão do que tem aí de "showbiz" brasileiro. Queria fazer alguma coisa que fosse revolucionária, queria surpreender a mim mesma e ao público.
Se você fizer uma retrospectiva da minha carreira, vai ver que tem momentos em que surpreendo o público e meu público muda por causa dessas transformações. Isso faz parte do meu espírito mesmo, da minha personalidade.
Escolhi o Gerald por isso e também porque eu gosto do trabalho dele. Ele faz uma luz magnífica, gosto da cenografia, gosto do acabamento do trabalho dele. Me sinto inteiramente à vontade.
Entro no espetáculo de uma forma inteiramente inusitada. Não entro como uma grande estrela, que era o que as pessoas talvez esperavam ver de mim, porque eu estou num momento bom da minha vida, emagreci, estou com um corpo lindo. Então acho que as pessoas esperavam que eu entrasse com a barriga de fora, mostrando o umbigo, assim como uma grande estrela, por uma passarela.
Mas eu entro diferente, entro como uma atriz, como uma gata. Começo a me relacionar com Deus, eu estou num telhado, acima da cidade, ou seja, estou mais perto de Deus. A idéia é essa. É meu canto numa reverência a Deus. Não tem nenhum texto, eu só canto. Apenas no início do espetáculo tenho atitudes, posturas, gestos de atriz.
Folha - Incluir a música "Vaca Profana" no repertório do show foi uma maneira de fazer um manifesto?
Gal - Eu fui uma defensora do Tropicalismo. Quando Caetano e Gil foram exilados em Londres, eu fiquei aqui segurando a bandeira do Tropicalismo. No momento em que canto "Tropicália", mostro os seios e tento trazer para as pessoas a memória da irreverência que havia no mundo todo naquela época. O espetáculo conta a minha trajetória pela música brasileira, mostra isso e é isso.
A polêmica toda, a imprensa, que eu acho que é pouco inteligente, focou num detalhe que é mero e simples detalhe dentro de um espetáculo riquíssimo. Então resolvi incluir "Vaca Profana", que virou um manifesto no espetáculo por causa disso.
Folha - Este é seu show mais caro. Foi para comemorar seus 25 anos de carreira?
Gal - Não, não pensei em fazer um espetáculo comemorativo. Quis fazer um espetáculo que fosse novo, que fosse arrojado, corajoso, guerreiro, como eu sou. Eu tenho medo de estagnar, não gosto de ser a mesma, gosto de mudar. Eu sei que o preço que você paga por uma transformação, por uma ousadia, às vezes é difícil, mas vale a pena. Acho que é melhor arriscar.
Folha - Depois dessas mudanças todas pelas quais passou, você hoje vende menos discos. Teve um momento em que você agradou mais ao público do que à crítica, mas agora parece ser diferente.
Gal - Não, mas teve um momento em que eu vendia muito disco e agradava a crítica. Na época do "Minha Voz", o próprio "Bem Bom", que foi o disco que mais vendeu e agradou à crítica também. Mas eu acho que são fases de todo cantor. O verdadeiro artista passa por fases diferentes. É muito relativo isso. Agora estou numa maturidade e beleza como artista muito maior do que na fase que eu vendia muito disco, por exemplo.
Folha - E você acha que hoje vende menos por quê?
Gal - Talvez por causa das mudanças que eu busco na minha carreira. Eu, por exemplo, não me vejo mais cantando marchinhas como "Balancê", como muitas marchas que gravei e que até hoje tocam no Carnaval. Eu hoje não tenho vontade de cantar isso, quero cantar outras coisas.
Acho que todo artista tem que ser verdadeiro. E no meu caso, eu sou uma pessoa que muda. Busco o que meu coração, minha alma e minha inteligência querem. Então se o meu público de cinco anos atrás não gosta, ele deixa de me ouvir. Eu não posso estagnar. É diferente do Roberto, que é o Rei, é maravilhoso, mas ele mantém sempre a mesma coisa. Tem que se respeitar. É ele.
Folha - A Marisa Monte, em algumas faixas de seu novo disco, canta como Gal. Você acha que ela é sua herdeira?
Gal - Recebi o disco da Marisa Monte, mas não ouvi ainda porque não tive tempo. Desde que cheguei da Europa, estou desmontando o apartamento de minha mãe. Mas acho que essas cantoras todas que estão aí, a própria Daniela Mercury, Marisa, são filhas nossas. Minhas, de Elis e de Bethânia, que somos as três grandes.
A Marisa é muito bacana, eu gosto dela como cantora. Acho que ela tem força para manter uma carreira longa. E ela tem uma coisa que eu acho bacana: a humildade de dizer que foi influenciada por mim, que gosta de outros artistas. Como eu digo que fui por João Gilberto, fui pela Dalva de Oliveira, pela Ângela Maria. A gente ouve outros artistas e eles influenciam a gente. A gente aprende com eles.

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