São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 1994
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Oeste de "Wyatt Earp" é terra de tragédia

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: Wyatt Earp
Produção: EUA, 1994
Direção: Lawrence Kasdan
Elenco: Kevin Costner, Gene Hackman, Dennis Quaid, Annabeth Gish, Joanna Going, Isabella Rossellini
Onde: a partir de hoje nos cines Ritz, Gazeta, Iguatemi, Center Norte

"Wyatt Earp" entra para a história do cinema como um desses inexplicáveis fenômenos americanos. Foi realizado por um diretor de classe (Lawrence Kasdan), puxado por um elenco de grandes nomes (Kevin Costner, Gene Hackman, Dennis Quaid), tem uma produção adequadíssima e um herói que sintetiza boa parte da conquista do Oeste. Com tudo isso, foi um retumbante fracasso de bilheteria nos EUA.
Esse o mistério. Há muito tempo não vemos cenas como a de um carroção a caminho do Oeste (não bem filmadas, em todo caso), como as do início do filme, quando o patriarca dos Earp (Hackman) leva a família para a Califórnia.
É um exemplo elementar, embora marcante. O outro cultor do faroeste hoje, fora Kasdan, é Clint Eastwood, muito marcado por sua experiência com o italiano Sergio Leone.
Kasdan pula o estágio Leone, como se tivesse vontade de voltar ao "Velho Oeste", o clássico, onde o sangue semeava a terra.
É verdade que esse olhar já não se sustenta. O sangue, os duelos, a ausência de lei –mesmo que permeados por heróis– engendram em "Wyatt Earp" um mundo sufocante, inabitável. Já anunciam instituições americanas como o linchamento e a violência gratuita.
As cerca de três horas e meia de "Wyatt Earp" podem ser divididas em três atos. O primeiro, de uma uma luz radiosa, diz respeito à juventude de Wyatt, seu primeiro casamento, o deslocamento da família para a Califórnia e, por fim, a morte da primeira mulher.
O segundo tem como apoio a rudeza do cenário. A passagem de Wyatt à maturidade, os tempos de desespero (vira alcoólatra, quase é enforcado), sua iniciação como homem da lei, em Dogge City.
Por fim, existe o deslocamento para Tombstone, dominado por dois acontecimentos: o duelo com a gangue liderada por Ike Clanton e os conflitos familiares. É quando o filme assume um tom francamente sombrio.
Essa separação clara de ambientes e tons resume a idéia de Kasdan sobre a conquista do Oeste. Trata-se de rever esse episódio da história, que o cinema transformou em sinônimo da construção da América (tanto física, quanto moral).
O primeiro estágio do filme retoma o classicismo: crescimento, esperança, o Oeste visto como Terra Prometida. O segundo é o da terra sem lei (ou com leis locais), selvagem. O terceiro é o da decomposição do sonho.
Nesse último, a luta para manter a unidade familiar dos Earp chega a superar a rivalidade com os Clanton, com uma consequência indesejável: a caracterização dos vilões e o desenvolvimento dessa luta que culmina com o duelo de O.K. Corral (em 1881) praticamente passam a segundo plano.
O importante, para Kasdan, é criar a idéia de um inferno, marcando as transformações de Wyatt: o jovem esperançoso, no primeiro momento; o desiludido, no segundo, e o "lawman" cínico –mas namorado galante– no final.
Essa é a parte mais crítica do filme, marcada pela hipertrofia da questão familiar. Ela fixa o andamento lento e analítico, como característica central de "Wyatt Earp". É corajoso e pessoal, mas tende a só agradar os fãs incondicionais do faroeste. Uma pena, porque "Wyatt Earp" é belíssimo.

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