São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Cão 'curado' põe uso de Prozac em discussão

The Independent
De Londres

PETER PRINGLE

A cadela Sunny, no Estado de Maryland, EUA, passou para a história veterinária. Seu desejo de mastigar sua própria pata como se fosse um osso suculento era tão grande que nenhum tratamento exercia efeito.
O veterinário de Sunny achou que o problema estivesse na cabeça dela. Receitou Prozac, o antidepressivo mais usado no mundo.
Em 15 dias Sunny se transformou numa cadela alegre e saltitante, objeto da inveja de outros cães ansiosos e seus veterinários.
Os animais não sofrem depressão do tipo humano e há limites às aplicações de Prozac.
Os gatos, por exemplo, não possuem a enzima hepática necessária para metabolizar o Prozac, portanto a droga não funciona para eles.
É possível que o episódio Sunny não passe de um episódio. O fato é que notícias sobre "drogas milagrosas" se difundem rapidamente.
O caso de Sunny também serve para lembrar que os remédios que supostamente resolvem tudo talvez sirvam apenas de curativo químico, de efeito limitado.
Depois da cura de ansiedades e depressões, o próximo passo pode ser a busca da personalidade ideal.
Os neurocientistas, que nos anos 50 identificaram a química cerebral da depressão, paranóia e esquizofrenia, identificam agora a da personalidade normal. Segundo eles, é uma revolução laboratorial.
Os novos medicamentos visarão não tanto os casos diagnosticados de doenças clinicamente reconhecidas, como a depressão, mas as pessoas normais que desejam modificar sua personalidade.
Elas vão querer acabar com sua timidez ou hipersensibilidade, refrear sua impulsividade, aliviar a ansiedade normal, a tristeza e a hiperatividade infantil.
Mas quem vai receitar esses remédios? Será que deveriam ser monitorados mais cuidadosamente? O número de consultas psiquiátricas nos EUA em que o paciente recebeu receita de antidepressivo quase dobrou entre 80 e 89 –de 2,5 milhões para 4,7 milhões.
Boa parte desse aumento é atribuída à introdução do Prozac, em 88. Quase 4,5 milhões de americanos e 4 milhões de pessoas de outros países já tomaram Prozac, cujas vendas mundiais totalizam mais de US$ 1 bilhão.
A psiquiatria freudiana está ameaçada. Cada vez menos estudantes optam por especializar-se em psiquiatria, e os maiores hospitais psiquiátricos tiveram redução de 50% em seus pacientes.
A transferência do divã para o comprimido é longa e complicada. Outros profissionais –psicólogos, assistentes sociais e enfermeiras psiquiátricas, que se formam em muito menos tempo do que os psiquiatras– oferecem ajuda pela metade do preço.
Além disso, até 65% dos antidepressivos mais procurados, como o Prozac, são hoje receitados por clínicos gerais.
Não se pode deixar de questionar as novas "drogas milagrosas" que mudam a natureza do "eu" com a mesma facilidade com que se modificam as medidas de um busto, um nariz torto ou uma barriga saliente demais. Onde está a criatividade?
Talvez a resposta seja receitar mais Prozac para a população canina, onde sua aparente capacidade de acalmar animais dará aos humanos idéia melhor do que poderia acontecer com eles. Sem dúvida há dobermanns aos quais faria bem tomar uma ou duas doses.
Tradução de Clara Allain

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