São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As difíceis decisões do novo governo

ANGUS FOSTER
DO "FINANCIAL TIMES"

Escrever sobre o Brasil às vezes é como assistir um filme estrangeiro sem a ajuda de legendas: você acha que sabe o que está acontecendo, mas muitas vezes se pergunta se deixou passar alguma coisa importante.
Tendo acabado de retornar depois de passar três semanas no exterior, percebi que realmente deixei passar alguma coisa. Fernando Henrique Cardoso, que até abril era quase desconhecido fora do âmbito das elites políticas e empresariais, convenceu mais de 40% dos brasileiros de que possui a experiência e a integridade necessárias para ser seu próximo presidente.
Ele e seus assessores merecem crédito por haverem concretizado esta espantosa reviravolta, e pela criação de sua principal força motriz, o real. Como muitos outros, eu sempre achei que ele acabaria por vencer, mas era cético em relação a quão rapidamente o real se traduziria em votos. Agora, com a vantagem de poder fazer uma retrospectiva, parece óbvio que um plano que injetou mais ou menos US$ 20 bilhões nos bolsos dos consumidores mais pobres, acabando com –ou pelo menos suspendendo– a inflação diária, seria dinamite eleitoral.
A potência do plano foi ampliada pelo apoio dado a Fernando Henrique pelas elites. O "Jornal Nacional" converteu-se em pouco mais do que "propaganda eleitoral" do real, e portanto de Fernando Henrique. Os líderes do empresariado se atropelam para elogiar o plano. Um deles pede aos eleitores que escolham um bom "professor" para presidente, aparentemente ignorando a ironia: que o total reportado de 35,75% analfabetos e semi-analfabetos brasileiros mal consegue compreender Fernando Henrique quando ele fala sobre o real. Ficariam totalmente confusos se ele retomasse seu papel professoral.
Toda esta comoção é compreensível, e sua intensidade é tipicamente brasileira. Ela é movida por um misto de esperança, patriotismo e um sentimento de libertação da exaustão provocada pelos últimos dez anos.
Mas os correspondentes estrangeiros são pagos para se manterem alheios a tais emoções, e a comoção é desconcertante. Em primeiro lugar, ela obscureceu o fato de que a estabilização econômica do Brasil ainda está longe de ser garantida. Em segundo, está suscitando expectativas pouco razoáveis sobre o que um governo FHC poderia realizar.
A inflação caiu para menos de 5% ao mês. É uma conquista tremenda. Mas ainda deixa o Brasil com um dos índices inflacionários mais altos do mundo. Seria evidentemente absurdo tentar reduzir a inflação num país em desenvolvimento, como o Brasil, para níveis europeus, mas o fato é que ela ainda precisa cair muito mais. E às vezes fazer cair a inflação é fácil, comparado com mantê-la num nível baixo.
Em algum momento o novo governo terá que decidir se mantém uma moeda sobrevalorizada, apesar das implicações disto para a queda de exportações e de empregos, se induz uma recessão antiinflacionária ou se abre mão e permite que a inflação retorne aos poucos, numa economia desindexada. É uma escolha difícil, já que todas as opções deixam o governo aberto ao ataque de lobbies poderosos.
Mais preocupante é o fato de que o novo governo terá que operar dentro do mesmo sistema político que frustrou seus predecessores. Será que o prestígio decorrente da vitória eleitoral recente permitirá a Fernando Henrique implementar a montanha de mudanças constitucionais de que precisa, e rapidamente? Poderá ele recorrer a eficiências e receitas decorrentes de privatizações para equilibrar o orçamento, já pressionado?
Não estou certo disso. O Congresso não terá mudado muito. A Câmara dos Deputados ainda é absurdamente eleita por um sistema que praticamente institucionaliza a corrupção, a defesa dos interesses próprios e o clientelismo local. Grupos de interesse que vão de governadores de Estado fortes até a Fiesp ainda vão querer ter preferência. A aliança com o PFL é frágil, e poderá se romper em questões como reforma tributária ou investigações de casos de corrupção. Para concluir, em decorrência de mais um incidente de farsa congressional, Fernando Henrique terá um mandato de apenas quatro anos. Tanta coisa a fazer, em tão pouco tempo...

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: FHC tira votos do PMDB
Próximo Texto: Fracassa o comício de Lula no ABC
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.