São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 1994
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Os irmãos Phil e Paul Hartnoll falam do novo disco, 'Snivilisation'

CAMILO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LONDRES

É simbólico que a maior banda do tecno inglês, o Orbital, esteja lançando um novo LP agora. "Snivilisation" é o terceiro álbum da banda, formada pelos irmãos Phil e Paul Hartnoll.
Simbólico porque: 1) o tecno está pulando cada vez mais fronteiras. Depois da Europa, está se fortalecendo no Japão, Austrália e EUA.
2) As raves viraram prioridade nos planos de repressão do governo inglês. Pior agora que está para ser aprovado um novo projeto de lei pela "ordem pública", a Criminal Justice Bill.
3) A nova música eletrônica (onde cabem tecno, ambient, trance, digi-dub etc.) está amadurecendo, com mais idéias do que nunca e com vários nomes estabelecidos, grupos consistentes com cara ao invés de obscuridades de um single só.
Em entrevista exclusiva à Folha, os irmãos Hartnoll explicam porque "Snivilisation" tem tanto a ver com agora.

Folha – Parece haver um conceito por trás de "Snivilisation" revelado na capa e no som. Qual é esse conceito?
Paul – Preferimos nos basear em coisas reais ao invés de ficção científica ou algo assim. Coisas desde propaganda até cirurgia plástica. E a ironia que existe por trás dessa chamada civilização, que na verdade está longe de ser isso.
Folha – Na verdade, todo o tecno parece ter uma mensagem subliminar que é a dualidade ecstasy/tristeza, tipo "O mundo está perdido mesmo, só resta dançar e fazer festas".
Paul – Muita coisa tem essa atitude, muita gente que está indo para festas e raves pensa assim.
Phil – É que tem muita gente nesse país que está de saco cheio de não chegar a lugar nenhum. Não se vê nenhuma mudança nas atitudes do governo. São quinze anos de governos conservadores e isso é duro para qualquer um engolir. A Inglaterra está cada dia mais como um estado policial. Pode ser escapismo mas todo mundo só quer sair e esquecer tudo, jogar tudo para o alto. Mesmo protestar publicamente está ficando difícil por aqui, a polícia instiga a desordem para poder acusar os protestadores de baderneiros e distorcer os fatos. Sem as pessoas perceberem, o país está se tornando lentamente uma sociedade fascista.
Folha – Mas existe alguma esperança, ou a juventude inglesa não perde mais tempo com isso?
Paul – Vai ser interessante ver o que acontece depois que a Criminal Justice Bill passar, porque vai afetar qualquer pessoa que gosta de sair para dançar, mesmo aqueles que não estão nem aí com o que o governo faz. O clima vai ficar esquisito. O que eles vão fazer com todos os squaters? Mandá-los morar na rua?
Folha – Vocês acham que o tecno veio para ficar?
Paul – Realmente não sei. Vejo toda essa música eletrônica que tem por aí, é como um novo tipo de instrumento, o computador, que se estabeleceu. Não importa se é house, ambiente ou tecno, é só uma maneira de fazer música que obviamente veio para ficar. A música eletrônica só vai sumir se a eletricidade sumir.
Folha – E um dia desses a música eletrônica vai passar a música com guitarras para trás? Tipo no ano 2.010.
Paul – Acho que a guitarra está aqui para ficar tanto quanto o computador. Muita gente desprezava os computadores na música, mas agora os outros gêneros tiveram que mudar para dar espaço para a eletrônica.
Folha – Estamos indo para sete anos (Phil: "Nossa! É assustador, né?") desde que a acid house detonou a primeira onda de raves, ecstasy etc. Como esse fenômeno mudou a atitude das pessoas na Inglaterra?
Paul – Foi uma mudança para muito melhor. As primeiras festas de house music tinham um clima muito amistoso, ao contrário das boates ou discotecas onde tudo intimidava. Era aquela atitude de rapazes tomando cerveja e "Que que você tá olhando prá minha mina, hein?". Quando a cerveja deu lugar ao ecstasy você tinha festas com duas mil pessoas e nenhuma briga. Antes era muito raro.
Folha – Muita gente chama o tecno de o "novo punk". Vocês concordam com a comparação? Certamente há muitos ex-punks em bandas de tecno.
Phil – Há um paralelo. O tecno tem esse espírito de música feita em casa, de "faça-você-mesmo". Surgiu um imenso circuito independente de selos, e não se via nada assim desde o começo do punk. E também as pessoas estão levando sua música ao público sem muitos intermediários.
Paul – Mas o governo teme muito mais as raves do que temeu o punk, vide a Criminal Justice Bill. É muito mais popular e você não precisa ser um "raver" de carteirinha para participar.
Folha – A comunidade tecno, bandas, DJs, selos, passa uma imagem de bem unida. É assim mesmo?
Paul – É bem unida, mas há homens demais e poucas mulheres. É como um clube do Bolinha o que torna muito difícil para mulheres se sobressaírem.
Phil – Nesse sentido não é diferente de outros setores da indústria musical que são dominados por homens. Não gosto disso. Gostaria de ouvir tecno feminino, pode ser algo completamente diferente. Minha mulher sempre diz que quer tentar um dia.

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