São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 1994
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A lei do Chapeuzinho

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO -Alguém acredita, mesmo, que a candidatura Fernando Henrique Cardoso possa ter seu registro cassado em função do suposto (ou real) empurrão que setores do governo vêm tentando dar a ela?
Claro que não. Até porque seria um escândalo tirar do jogo eleitoral exatamente o candidato que, no momento, atrai a intenção de voto de quatro de cada dez eleitores.
É óbvio que todo candidato, tenha 40%, 1% ou 100% das intenções de voto, está obrigado a cumprir a lei. Mas, no caso, trata-se de uma legislação com tal margem de subjetividade que acaba se tornando inaplicável. Mesmo que haja ilegalidade nas ações de alguns ministros, vai ser praticamente impossível provar que FHC sabia e/ou solicitou que se cometesse a ilegalidade.
Uma coisa é o uso de pessoal e recursos da administração pública em comícios ou eventos eleitorais, como ocorreu em Brasília. Outra é a inauguração de obras com intuitos eventualmente eleitoreiros.
Neste caso, a legislação chega a ser absurda e precisa de urgente reformulação. Afinal, quem vota em alguém, para prefeito, governador ou presidente, espera que, se eleito, o beneficiário do voto faça alguma coisa. E não dá para imaginar que, ao fazer essa coisa, o administrador tenha que mantê-la na clandestinidade.
Desse jeito, vai-se acabar criando um artigo que proíba inaugurações em anos pares, porque todos os anos pares são anos eleitorais (ou eleições municipais ou eleições gerais). Ou, então, vai se exigir que as inaugurações se façam entre 3h e 5h da madrugada, proibindo-se a presença de público, exceto parentes de primeiro grau do governante.
No fundo, toda a legislação eleitoral está impregnada de um preconceito. Parece supor, embora não explicitamente, que o eleitor é irremediavelmente imbecil, uma espécie de Chapeuzinho Vermelho fácil de ser engolido pelos lobos maus da política. É pura tolice, até porque não dá para proteger a inocência de Chapeuzinho o tempo todo. E tampouco dá para punir todos os lobos o tempo todo. A legislação vira Chapeuzinho. É de faz-de-conta.

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