São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 1994
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Vale de barracão

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO -Grande parte da mídia condena os candidatos que estão batendo no Plano Real. O raciocínio desses profissionais da comunicação é simples: o plano teve a aceitação do povo, Itamar está com elevada taxa de popularidade e seu candidato à Presidência da República lidera a corrida sucessória. Daí, concluem, além da burrice, os demais candidatos revelam insensibilidade para com os sentimentos do eleitorado que aprovou a estabilização da moeda.
Seguindo a linha desse raciocínio, nem deveria haver eleição. A dupla dinâmica Itamar-Fernando Henrique teria descoberto a pedra filosofal, o elixir da eterna juventude e o Santo Graal (só não conseguiu descobrir ainda onde estão os ossos de Dana de Tefé). A eleição, marcada para data tão distante (ainda faltam mais de 30 dias) só servirá para prejudicar a redenção da moeda com a qual todos estão satisfeitos. Criticar o plano é o mesmo que enxovalhar a bandeira nacional, o hino pátrio. Em resumo: o real não seria moeda, mas instituição.
O cronista carece de elementos técnicos para julgá-lo mas dá de barato que o plano seja perfeito. São recentes as vitórias de Israel e Bolívia (países tão diferentes) sobre a inflação. Os planos ali adotados talvez não tenham sido tão bons como o do real, mas deram resultado. Houve vontade política para acabar com a inflação. No caso brasileiro, duvida-se dessa vontade. A inevitável certeza é a de que a vontade política das elites e dos especuladores, que têm no governo o seu executivo mais categorizado, é a de manter os mecanismos que privilegiam o capital, reduzindo o trabalho à mão-de-obra escrava, sustentando o trabalhador com o mínimo do mínimo. Ou com nada mesmo.
O rodízio no poder provocaria marola. Tal como no caso de Collor em 1989, a rapadura não deve ser entregue a mãos incompetentes. E o Plano Real, com toda a sua perfeição, passou a servir de vale de barracão –aquele papel que o coronel distribuía em época de eleição e que dava direito a uma ancestral da cesta básica no armazém que era do próprio coronel. A mágica podia ser besta mas funcionava.

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