São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 1994
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Brenta explora libertade em 'O Guardião'

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Filme: O Guardião da Montanha
Direção: Mario Brenta
Onde: Em cartaz no Belas Artes, sala Oscar Niemeyer

O filme "O Guardião da Montanha" foi o mais discutido "tour de force" da mostra competitiva do último Festival de Cannes. O diretor italiano Mario Brenta não receou adaptar o famoso primeiro romance de Dino Buzzati em longuíssimos 124 minutos quase totalmente desprovidos de diálogos e ação.
Embora veterano no cinema e antigo colaborador de Ermano Olmi e Paolo Valmarana, Brenta até hoje aventurou-se pouco nos longas-metragens de ficção, tendo desenvolvido uma experiência maior como documentarista.
Em "O Guardião da Montanha", arriscou tudo na linguagem experimental, desprezando o didatismo narrativo e apostando nas paisagens e em atores leigos.
A ênfase não recai no enredo, mas na descrição de estados de espírito: o drama interior de um guarda florestal, que não consegue capturar caçadores ilegais, e sua relação solitária com as montanhas, os animais e a mata.
Para configurá-los, Brenta usou planos abundantes de paisagens, olhares, pequenos gestos e outros recursos tão sutis, que por vezes escapam mesmo ao espectador. Em Cannes, Brenta explicou à Folha as razões de sua opção de estilo.

Folha - Por que escolheu uma linguagem de documentário para contar uma história ficcional?
Mario Brenta - Comecei a carreira fazendo ficção, a seguir passei para o documentário. Afinal percebi que abordo os dois.
A única diferença é que no documentário é preciso apanhar o real no momento em que se produz, enquanto na ficção pode-se interromper o tempo e refazer uma cena. "Barnabo" dá a impressão de documentário, mas é também muito trabalhado na ficção, é uma realidade estilizada.
Folha - Haveria uma coincidência do ponto de vista do narrador do filme com o do personagem central?
Brenta - A história de Barnabo me toca de perto porque é a história do crescimento, da passagem da juventude para a maturidade.
Descobri o romance de Buzzati aos 38 anos, num momento em que se começa a acertar as contas com a existência. Ao longo das filmagens, houve uma identificação no que se refere ao risco.
Barnabo coloca sua existência em jogo, e eu também, ao fazer o filme, estava tomado por um desejo de ir mais longe, de chegar realmente ao limite do cinema.
Folha - O desfio foi fazer um filme quase sem diálogos e ação?
Brenta - De regra, os diálogos são usados no cinema como recurso para facilitar a transmissão de informações. A palavra explica o sentido do que acontece.
Mas não é assim que acontece na vida cotidiana. O emprego da palavra é reduzido, as coisas são mais simples, não posamos de filósofos. O que me importa é o modo de empregar os diálogos, de olhar, de ficar em silêncio, é esse conjunto que exprime o interior das pessoas. Procurei dar maior dignidade à palavra.
Folha - Como espera que o espectador se comporte diante do filme?
Brenta - Tento me expressar no cinema com liberdade, e portanto o público deve sentir o filme também de um modo livre. Quero encontrar no público um companheiro de viagem. Não quero que o filme termine na sala de projeção, mas que fique colado às pessoas.

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