São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 1994
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Transparência em tempos de escassez

JOSÉ MARTINS FILHO

A reitoria da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) anunciou ainda há pouco medidas de contenção de despesas com o fim explícito de fazer frente a dificuldades orçamentárias sérias. Essas dificuldades são comuns ao conjunto das universidades estaduais paulistas –USP (Universidade de São Paulo), Unicamp e Unesp (Universidade Estadual Paulista)–, historicamente consideradas as mais produtivas do país e por enquanto as únicas a contar com a prerrogativa da autonomia de gestão financeira.
Convencionou-se, portanto, chamá-las ricas, cristalizando uma crença que ganhou livre curso até mesmo no interior dessas próprias universidades, transformando-se em permanente libelo de campanhas de reivindicação salarial.
Isso explica em parte as reações que se levantaram contra as medidas de contenção, mesmo sabendo-se que nenhuma delas afetará diretamente a pesquisa, o ensino e a extensão universitária. Não se trata de fazer tábula rasa de suas finalidades precípuas. É de garantir reservas para pagar os salários, exatamente, que se trata.
Não é a primeira vez que medidas como essas são tomadas na Unicamp, como tampouco é a primeira vez que as universidades públicas paulistas se vêem diante de problemas de caixa. Mas talvez seja inédita a prática da transparência pública (porque afinal se trata de instituições públicas) especialmente se essas dificuldades concernem às três universidades que, sozinhas, respondem por quase 60% da pesquisa acadêmica produzida no país.
Assim como sua vasta produção pertence inteiramente à categoria do real, e não do mito, deve-se desmitificar a fama de principados que alguns se empenham em lhes atribuir, como se por aqui não houvesse problemas ou, por pudor, estes devessem ser escondidos debaixo do tapete.
A transparência pode ter seu preço, mas tem sobretudo a vantagem de desarmar os espíritos. Os que há dois meses reclamavam uma recuperação salarial de 20 anos agora se surpreendem com um quadro que aponta, no caso da Unicamp, um comprometimento de 94,07% do orçamento com a folha de salários.
Isto significa que sobram escassos 5,93% para despesas com custeio e investimento, quando seriam necessários 22% para cobrir as despesas correntes com água, luz, telefone, material de consumo, contratos de manutenção etc.
Para que o comprometimento com salários se estabilizasse no patamar de 85% –limite consensual estabelecido entre os reitores e as entidades de classe internas– seria preciso que a arrecadação do ICMS crescesse, em termos reais, 5% em setembro e outubro e 6% nos dois meses finais do ano.
Como não parece haver essa perspectiva, já que se trabalha com projeções de crescimento real de 1% da arrecadação do ICMS (única fonte orçamentária das universidades estaduais paulistas) para os próximos meses, a Unicamp se vê diante da perspectiva algo alarmante de um déficit financeiro de R$ 13,4 milhões até o final do exercício, cifra que praticamente corresponde ao que será necessário para pagar o 13º salário dos servidores.
Está na raiz desse déficit o processo de urvização dos salários a partir de março deste ano, com a concessão de alguns aumentos reais nos três meses que antecederam a troca de moeda, mas principalmente a queda acentuada da arrecadação em julho passado –de 13,2% em relação ao mês anterior e de 10% se comparada a julho de 1993; e, pelas mesmas razões, as dificuldades que o Estado passou a enfrentar na questão do financiamento público, tendo como consequência alguns atrasos sucessivos na liberação das parcelas orçamentárias para as universidades.
Em agosto, por exemplo, só foi possível ao Estado repassar à Unicamp 43% da cota-parte do ICMS que lhe cabe, segundo os percentuais fixos definidos pelo decreto da autonomia.
Espera-se, naturalmente, que essa situação seja temporária e que a economia do Estado volte a mostrar a capacidade de reação que explica, entre outras coisas, a qualidade específica de suas universidades.
Nesse entretempo, é justo que as universidades façam a sua parte, revisando a estrutura de seus custos operacionais e ajustando-se com criatividade aos tempos de escassez.

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