São Paulo, sexta-feira, 2 de setembro de 1994
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Boi gordo na alfândega

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Pelo menos no território da simbologia, o Plano Cruzado começou a naufragar quando o governo saiu a caçar boi gordo no pasto, para combater a alta dos preços da carne. Pois o Plano Real está encontrando seu boi gordo na forma das tarifas de importação.
Ontem, o ministro Rubens Ricupero, da Fazenda, ameaçou com uma redução ampla, geral e irrestrita das tarifas de importação, para evitar o repasse para os preços dos reajustes salariais impostos pela MP do real.
É uma insensatez por uma pilha de motivos que não cabem, todos, neste espaço. Fiquemos nos principais.
1) Tarifa de importação é instrumento de política industrial, jamais um instrumento de punição, ainda mais dessa forma generalizada. No limite, abrir a economia de forma abrupta e generalizada significa exportar empregos. É mais atraente montar um escritório de importação de brinquedos, digamos, do que manter uma fábrica desse item. Escritórios de importação empregam muito menos gente.
2) Se há empresas que não precisam repassar aos preços os reajustes salariais, cabe ao governo identificá-las e puni-las com o arsenal de leis de que dispõe (ou ao menos vive dizendo que dispõe). Fazer os justos pagarem pelos pecadores não combina com a religiosidade do ministro.
3) O governo acaba radicalizando o caráter eleitoreiro do plano. Basta supor o seguinte: se não houvesse eleição este ano, nem o IPC-r de 5,4% em agosto nem reajustes salariais seriam motivo para providências punitivas. O governo permitiria que a inflação fosse caindo gradativamente e aceitaria até um ou outro "soluço", até que os desequilíbrios fossem sendo eliminados.
Mas, com uma eleição dentro de apenas um mês e um candidato governista pendurado quase exclusivamente na estabilidade de preços, o governo precisa desesperadamente segurar os índices. Fica, então, correndo atrás de bois gordos (o crediário, o consumo, os aluguéis), até cair na insensatez da redução generalizada de tarifas de importação.

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