São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Vicentinho quer evitar o 'setembro negro'

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

O presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, senta-se amanhã, em Brasília, às 16h, à mesa de negociações do presidente da República, Itamar Franco.
Vai discutir a agenda das campanhas sindicais, que voltam ao cenário, e –segundo o governo– a ameaçar o chamado plano de estabilização econômica.
Vicentinho nega que exista o alardeado "setembro negro", mas diz que as greves não estão fora do horizonte do movimento dos trabalhadores.
Considerado como o mais moderno dos líderes sindicais, ele falou à Folha sobre como a Central Única dos Trabalhadores está se posicionando contra o corporativismo e sobre como está levando a discussão de questões típicas do mundo empresarial, como a produtividade e a qualidade, para o movimento sindical.
Folha - Vem aí um "setembro negro"?
Vicente Paulo da Silva - Em primeiro lugar, nós estamos combatendo este termo "setembro negro". Estão querendo mostrar que o que é ruim é negro. Isto é racismo.
Em segundo lugar, o que nos interessa é ter um setembro de primavera, de conquistas, de evoluções, de soluções.
As campanhas sindicais deste instante –dos bancários, dos petroleiros, da construção civil–, juntamente com a luta dos metalúrgicos pelo reajuste mensal, têm como objetivo recuperar o poder aquisitivo.
Eu estive com representantes da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos) e com o presidente da Petrobrás. A nossa tese é: negociar até a exaustão. O que não quer dizer abrir mão do direito de fazer uma greve.
Se o resultado da campanha depender da negociação, vai ser esta a prioridade. Entretanto, eu reafirmo: se não houver acordo, existe a possibilidade da greve.
Primeiro, porque é um direito universal. Segundo porque nós aprendemos que foi com a greve que nós conquistamos aumentos de salários.
Ninguém faz greve por prazer. Faz greve por necessidade.
Folha - Você não dá prioridade à negociação porque as greves trariam prejuízos para a campanha eleitoral do Lula?
Vicentinho - Eu sei que em momento eleitoral é difícil haver esta compreensão, mas nós queremos assegurar nossa autonomia.
O dirigente sindical que não pensa em fazer a greve por causa do Lula ou por causa de um outro candidato, está pensando errado.
Eu me considero um cabo eleitoral importante para o Lula enquanto cidadão. Mas eu tenho que assegurar essa autonomia.
Folha - Os bancários não estariam fragilizados pela ameaça de novos enxugamentos no setor?
Vicentinho - Uma das grandes preocupações dos trabalhadores é com a demissão. Isto pesa efetivamente. A luta pelo salário e pelo emprego hoje tem o mesmo peso.
Folha - Você não admite que o real tem aspectos positivos para o trabalhador?
Vicentinho - Tem. A moeda forte é importante. Eu acho equivocado qualquer dirigente sindical fazer um ataque à moeda, ao símbolo. Nós precisamos não ser maniqueístas.
A grande fragilidade do plano é que os preços subiram e os salários ficaram para trás. Depois do real continuou havendo inflação e nós ficamos sem política salarial.
A moeda está protegida. Mas é preciso ter acesso a essa moeda. Três milhões de pessoas ganham, cada uma, duas moedinhas de um real por dia de trabalho.
Folha - Você acha que a abertura na indústria automobilística foi mais benéfica ou mais prejudicial ao país?
Vicentinho - O acordo da câmara setorial em que participaram trabalhadores, empresários e governo foi mais benéfico do que uma medida burocrática de abertura de importações.
É verdade que com a ameaça de importação os empresários se viram, procuram alternativas etc. Entretanto, um acordo no qual a sociedade controla, a sociedade define, a sociedade participa, onde há metas e há previsibilidade, este acordo é mais sutentável.
As informações que tenho é que este ano as importações, até agosto, passaram de 140 mil. Parece que 40% foram após o real, coisa mais grave ainda. Então nós defendemos uma tese para que haja um controle.
Folha - Há quem diga que quem ganhou com o acordo foram os metalúrgicos e as montadoras, e quem pagou a conta foi o imposto que beneficiaria –em tese– o cidadão.
Vicentinho - Quem diz isto demonstra uma profunda desinformação. Com este acordo, a sociedade ganhou porque uma indústria como a automobilística tem muitas indústrias que trabalham para ela.
Além disso, tanto a União quanto os Estados tiveram, em função da redução do valor por unidade, um aumento do ICMS ou do IPI. Teve Estado que aumentou entre 60 e 70%.
Foi um risco que se correu. Mas como eu acho que no Brasil se precisa de produto barato para se vender muito; que é preciso que o empresário que quer o lucro diminua o seu lucro por unidade; e que o Estado que quer arrecadar o imposto precisa diminuir o imposto por unidade –para que todos se sintam estimulados a pagar–, o acordo setorial foi uma coisa extremamente positiva.
Folha - Os metalúrgicos não estão pedindo reajuste salarial fora de hora, apenas para despejar água no barril de chope do Real?
Vicentinho - Infelizmente, foi agora, neste período, que eles retiraram o que estava escrito. Deixa eu explicar: existe no acordo setorial uma cláusula que diz que havendo uma mudança na conjuntura se poderia sentar para discutir.
Pois bem, nem sentaram e já retiraram o reajuste automático. Além disso, no caso do reajuste mensal automático, a mudança só poderá se dar a partir de uma mudança na própria inflação.
Se a inflação é 30 a gente recebe 30, se é zero a gente recebe zero, logo, se é cinco, a gente recebe cinco. A única coisa que nós queremos é que se cumpra o que foi acordado.
Nas conversas que eu tenho tido com os empresários, eles falam claramente: o governo não quer, o governo não quer. Ele podem até não assumir publicamente, mas eles dizem isto.
Folha - A indústria automobilística passa por uma das suas fases mais importantes no país. O Brasil hoje é o país que mais vende carros no mundo. O setor cresce acima de dois dígitos há dois anos. O que os operários ganharam com isto?
Vicentinho - Em primeiro lugar, nós ganhamos no salário. Mas nós reclamamos muito que a produção cresceu mais do que a contratação...
Folha - Mas este não é justamente o caminho moderno?
Vicentinho - Pelo menos se evitou a demissão, o que para nós é muito importante.
Mas o que a gente mais ganhou com este processo foi a condição de cidadãos. Quando você senta para discutir o caminho de uma empresa, para discutir o mix de produção; quando você passa a determinar políticas, metas; quando você opina sobre a política exterior, quando você procura novos métodos para a modernização sem que haja demissão; quando você discute a terceirização não como mecanismo perverso de demitir e humilhar, mas como maneira de impedir que isto ocorra, então você entra em um patamar evidentemente diferente.
Esta talvez seja a coisa mais importante que aconteceu na relação entre capital e trabalho nos últimos tempos.
Em vez de o governo ficar sendo culpado pelas coisas, nós mesmos passamos a brigar com a empresas para elas controlarem os seus preços. Nós temos condição de dizer que, embora a gente queira aumento, somos contrários a que haja repasse de preço para o consumidor.
Folha - Qual é a sua opinião sobre o carro brasileiro?
Vicentinho - Antes de falar do carro brasileiro, eu vou falar do trabalhador brasileiro, que é um herói. Eu sou da Mercedes, e eu sei: o trabalhador brasileiro faz um motor da Mercedes que pode concorrer com todo o mundo.
Eu me senti atingido quando o Collor disse que o carro brasileiro era uma carroça. Ao mesmo tempo, ele abria o mercado para entrar o Lada.
Aqui precisa ocorrer duas coisas: fazer um carro mais barato e de melhor qualidade.
Folha – Mas para o carro ser mais barato não tem que haver mais investimento tecnológico, que por sua vez gera mais desemprego. Como fugir deste círculo vicioso?
Vicentinho - Eu acho que o perfil da categoria fabricante de veículo mudará completamente. É por isto que nós nos metemos nas questões conjunturais do país. É preciso de ter uma política de crescimento global para que esta mão de obra seja absorvida. Nós não podemos nos contrapor ao desenvolvimento tecnológico de forma obtusa.
Folha - Você saiu da área da iniciativa privada para dirigir a CUT. Que diferença você vê entre a mentalidade do trabalhador da iniciativa privada e a do funcionário público?
Vicentinho - A CUT está cada vez mais trabalhando contra o corporativismo, contra o imediatismo. Portanto, algumas discussões que mereceram reflexão da nossa parte terão que ser feitas. Por exemplo: nós vamos discutir a questão das greves nos setores essenciais.
Folha - Você admite que alguns setores não deveriam fazer greve?
Vicentinho - Eu admito que alguns setores têm que repensar a maneira de fazer greve.
Folha - Você diz que gostaria de discutir uma política industrial para o Brasil. Quais são suas idéias?
Vicentinho - Em termos de Mercosul, por exemplo, nós achamos que não pode causar desemprego neste ou naquele país. Nós procuraremos um equilíbrio a partir da assinatura de uma carta social que impeça o 'dumping' social.
Nós queremos introduzir também a dicussão sobre produtividade e qualidade, que era um tabu para o movimento sindical. Evidentemente nós não concordamos com esta política piegas de qualidade total, em que apenas se pensa na produção como um louco, sem considerar o trabalhador.
Folha - O trabalhador brasileiro está preparado para este tipo de discussão?
Vicentinho - Ou o movimento sindical se prepara para este tipo de debate ou vai ficar derrapando. Porque se você brigar por um emprego hoje, mas amanhã a fábrica fechar, não adiantou brigar pelo emprego.
Folha - Você reconhece que muito do enxugamento nas empresas foi decorrente das necessidades de sobrevivência em mercados competitivos?
Vicentinho - Sim, eu reconheço. É lógico que nós sabemos que nossa entrada neste debate é porque em muitos países há uma preocupação humana muito grande. Nós chegamos a introduzir acordos aqui –porque aconteceram no Japão– com empresas. Na hora em que a modernização ameaçou o emprego, nós discutimos as alternativas e a empresa não introduziu as mudanças.
Nós estamos participando de alguns desafios. Quando uma empresa tenta terceirizar um produto, nós lutamos para provar que aquele produto feito na fábrica, além de segurar o emprego, pode ser mais barato do que o terceirizado.
Discutir "just in time", novos métodos, ilhas de produção... Estamos dispostos a discutir.

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