São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Para professor, nova lei é inconstitucional

Falcão acredita que a legitimidade da OAB será afetada

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

O professor de direito Joaquim Falcão, 49, afirmou que o novo Estatuto do Advogado tem diversos artigos inconstitucionais. O Estatuto foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Itamar Franco.
Para Falcão, o Estatuto é prejudicial para a legitimidade da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entidade que lutou por sua aprovação e transformação em lei.
Segundo ele, ao patrocinar o estatuto a OAB priorizou os interesses de uma categoria em prejuízo dos da sociedade. Entre outros artigos, a lei que criou o Estatuto estabelece uma jornada de quatro horas diárias para o profissional assalariado e exige a presença de um advogado mesmo em ações de tribunais de Pequenas Causas.
Secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, Falcão é professor de Direito Constitucional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e escreveu, entre outros, o livro "Os Advogados –Ensino Jurídico e Mercado de Trabalho". A seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Qual a razão de suas críticas ao novo Estatuto dos Advogados e da OAB?
Joaquim Falcão - O Estatuto é uma tentativa de se ampliar o mercado dos advogados e tem origem na década de 80, quando houve uma diminuição do poder aquisitivo da população. Neste mesmo período foram abertas 54 novas faculdades de Direito no país, que passaram de 130 para 184. A OAB poderia controlar este excesso de oferta de mão-de-obra com seu exame que autoriza o exercício da advocacia. O índice de reprovação deste exame é baixíssimo. Mas a OAB se omitiu, com exceção de algumas de suas seccionais.
Folha - O Estatuto está sendo cumprido?
Falcão - A OAB está tendo muita dificuldade para isto. Os tribunais de Justiça do Rio e São Paulo decidiram não cumprir artigos da lei por considerá-los inconstitucionais. A Associação Brasileira dos Magistrados decidiu arguir a inconstitucionalidade de 12 itens da lei.
Folha - Quais são os principais itens contestados?
Falcão - Um deles diz respeito à pretensão da OAB de que o cidadão só possa ter acesso à Justiça através de um advogado. Isto significa que, por exemplo, na Justiça do Trabalho, o trabalhador não pode ser representado por seu sindicato nem fazer uma queixa pessoalmente.
Folha - Que consequências o sr. acha que o Estatuto poderá trazer caso não seja modificado?
Falcão - O Estatuto aumenta o custo do advogado. O mercado vai reagir reduzindo o número de advogados por empresas. Outra questão importante é que a OAB, ao patrocinar este Estatuto, coloca os interesses dos advogados acima dos interesses da sociedade. A OAB, ao lado da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), tem uma atitude de liderança na sociedade civil por representar os interesses de todos, não apenas de uma categoria. A médio prazo isto vai levar a uma crise de identidade da OAB. Ela terá de decidir se vai seguir uma tendência mais adequada a um sindicado ou se vai continuar no papel que a história da democracia lhe concede. Colocar a OAB a serviço das reivindicações trabalhistas dos advogados, por mais justas que seja, é um erro histórico. O que está em jogo é a legitimidade da OAB.
Folha - Esta oposição do Judiciário ao Estatuto poderá gerar que tipo de problemas?
Falcão - A OAB foi muito criticada pelo Judiciário ao defender o controle externo da magistratura. Agora, o Judiciário ataca o Estatuto por considerar que ele interfere em atos exclusivos do juiz. O problema é que a crise da administração da Justiça corre o risco de se transformar em disputa entre juízes e advogados. Neste caso, quem perdem é o cidadão.

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