São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994
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É criativo, mas não resolve

ALEX PERISCINOTO
Quando o assunto é criatividade, exemplos não faltam.
Um bem recente é o outdoor da Audi, premiado no Festival Press and Poster em Cannes, deste ano.
A peça mostra o carro correndo, e o título "Meu outro carro é um Porsche. Mas hoje eu estou com pressa". Brilhante!
É quando a idéia prevalece, se renova.
James Webb Young, em seu livro "Técnica para Produção de Idéias", recentemente lançado no Brasil, diz que "uma idéia é nada mais nada menos que uma nova combinação de velhos elementos".
É isso. O que dizer da idéia do cigarro Marlboro ligando o homem ao campo?
E o que dizer, então, do óleo Mobil 1 –o número um mais uma vez ligado à idéia de primeiro, único, o que está na frente? É a transformação do velho, do já visto, do já dito, do já ouvido.
E uma transformação pertinente, que comunica, que resolve. Mas não é sempre que a propaganda criativa resolve problemas.
Eis o dilema. Observe o anúncio acima: um homem embrulhado em um cobertor, num banco, sentindo frio. Imagem tão comum em nossas ruas, não?
Pois bem, esse anúncio foi premiado, e com razão. É criativo. Mas não resolutivo.
Por quê? Vamos adiante. A chamada é a seguinte: "Elegante apartamento de 1 quarto, espetacular vista para o mar, lareira de mármore, porteiro 24 horas. Por US$ 595 mil", e no rodapé "Qualquer contribuição significaria muito para os sem-teto... (endereço e telefone para envio de donativos)".
Grande idéia, não condeno o anúncio, até porque discuto soluções. Quando o assunto é miséria, abandono, exemplos também não faltam. Desabrigados, favelados, mendigos, famintos, desempregados.
Quantos sem-teto construíram suas casas com esses donativos?
É bom lembrar que aqui no Brasil a construção civil é responsável por 7% do Produto Interno Bruto, o que representa atualmente mais de R$ 30 bilhões –já pensou se uma pequeníssima parte desse valor fosse destinada à construção de moradias populares para essa gente, usando da criatividade de nossos arquitetos e engenheiros e do talento do governo em fazer acordos setoriais (vide carro popular?)
A realidade seria outra. E isto seria muito mais interessante do que pedir esmolas por escrito, como fazem alguns anúncios indiscutivelmente criativos.

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