São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994
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Guerra dos mundos

A inflação está sendo atacada e a confiança no plano continua a crescer. Mas é necessário lembrar que o real é não só o mundo da macroeconomia, como também o das agruras cotidianas, da sobrevivência microeconômica. E, nessa área, ainda há muitos ajustes por fazer.
A sequência de MPs sobre correção de mensalidades escolares tem sido um martírio imposto tanto a alunos e pais quanto a proprietários de escolas. Armaram-se batalhas jurídicas, mas na prática o problema continua e pode agravar-se. O governo, porém, reedita MPs sem estimular soluções que reflitam maior entendimento entre as partes.
Há também a questão dos aluguéis. Constatou-se afinal que o IPC-r de agosto superou as expectativas em boa parte por causa do impacto dos aluguéis. Alegou-se até incompetência metodológica do IBGE. O fato, entretanto, é que muito antes de o IPC-r existir houve descuido do próprio governo. Muitos economistas alertaram, à época ainda da URV, sobre a urgência de equacionar a conversão dos aluguéis. Preocupadas com a formulação macroeconômica rigorosa do plano, as autoridades deixaram que o problema se agravasse, a ponto de contaminar os índices de agosto.
Discute-se muito, também, a eventualidade de um excesso de demanda ou a necessidade de medidas de contenção do consumo. Em alguns setores já há sinais de uma possível escassez (como em algumas linhas de eletrodomésticos), ao mesmo tempo em que as consultas ao SPC desaceleram e as vendas a prazo perdem fôlego.
O governo, mais uma vez, recorre a medidas macro (alta de juros ou mais importações, por exemplo). Na prática, quem vende a prazo recebe a prazo. Fica, portanto, sem recursos para renovar estoques. Surge o paradoxo microeconômico: há capacidade ociosa na indústria, mas um novo aquecimento do consumo, mesmo moderado, pode eventualmente bater de frente com a dificuldade de o comércio reabastecer as prateleiras.
É frequente avaliar-se a economia, especialmente no âmbito do governo, colocando em primeiro plano o mundo das regras de consistência macro. Há um outro mundo que parece bem menor, mas que é igualmente importante se se pretende construir, no cotidiano, um mundo melhor.

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