São Paulo, sexta-feira, 9 de setembro de 1994
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Normas e comércio internacional

EVANDRO B. MILET

Inicialmente entendida como mais uma barreira não tarifária criada pelos europeus, as normas ISO 9000 definiram uma maneira simples e prática –daí o seu sucesso– de geração de confiança entre clientes e fornecedores. Um certo terrorismo inicial pregava que a União Européia proibiria a entrada de produtos sem a certificação.
A coisa é mais sutil. O próprio mercado é que passa a exigir a certificação como elemento de tranquilidade no relacionamento com fornecedores de origens diversas e, muitas vezes, distantes desse mundo globalizado.
O Brasil tem hoje quase 400 empresas certificadas pelas normas ISO 9000 para Sistemas de Gestão da Qualidade. Na Argentina, as certificações não chegam a uma dúzia e no tigre Chile, menos ainda.
O movimento começou com as filiais de multinacionais, principalmente européias, implantando as normas por recomendação das matrizes, com os exportadores percebendo as novas exigências do mercado, com algumas estatais cobrando a ISO 9000 dos seus fornecedores e estas empresas, passando a exigir –em cascata– dos seus próprios fornecedores.
Hoje, o movimento se espalhou até para pequenas empresas e para as empresas de serviços. Pode-se prever com segurança que, em muito pouco tempo, teremos mais de mil empresas certificadas.
A certificação pelas normas ISO 9000 tem alguns efeitos interessantes. A empresa se organiza, ganha competitividade, reduz custos, principalmente, evitando desperdícios e retrabalhos e começa a falar uma linguagem mais moderna de gestão.
O sucesso mundial da ISO 9000, agora também explodindo nos EUA e no Japão, vem trazendo a idéia do uso de mecanismos semelhantes para a questão ambiental.
Da mesma forma sutil que a ISO 9000 se espalhou, sem exigências explícitas de governos, mas por exigência do próprio mercado, também deverá se espalhar pelo mundo a idéia de certificação de sistemas de gestão ambiental.
O Comitê Técnico 207 da ISO, especificamente voltado para questões ambientais, estuda a criação da série ISO 14000, com base na norma inglesa BS-7750, para certificar que as empresas tenham sistemas de gestão ambiental –não mais apenas relatórios de impacto ou auditorias ambientais com registros instantâneos de situação– que possam realmente garantir, ao comprador de seus produtos, que os processos são, ambientalmente, sustentáveis.
Não estranharíamos o surgimento, nos próximos anos, de uma norma ISO para sistema de gestão de recursos humanos que criasse, também de forma espontânea pelo mercado, uma maneira de exigir direitos trabalhistas, salários adequados, descanso remunerado e proibição de trabalho de menores, por exemplo. Grande parte da discussão sobre "dumping social" se transferiria do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comício) e OMC (Organização Mundial do Comércio) para a ISO.
No Brasil, porém, enquanto a participação na OMC é valorizada, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), representante brasileira na ISO, não dispõe de recurso para comparecer às reuniões, nem para discutir o assunto no país.
Da mesma forma que só percebemos a importância da Rodada Uruguai quando ela estava pelo meio, só notaremos a importância das normas no comércio internacional quando não der mais tempo de contribuir para a discussão.
Enquanto isso, o mesmo movimento que impulsionou a qualidade está percebendo a importância do assunto e várias empresas já se preparam para a certificação ambiental no Brasil, transformando um possível problema em oportunidade.
Esta capacidade de adaptação é um dos grandes trunfos da indústria brasileira e um dos fatores que nos fazem acreditar que, melhorando um pouquinho a economia, o país deslancha.

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